1. Não se compreende como é que Rui Rio levou dois dias para reconhecer o óbvio: que o PSD incorreu numa enorme irresponsabilidade ao aprovar a devolução retroativa integral do tempo de serviço aos professores nos termos em que foi votada e festejada pelos seus deputados na comissão parlamentar competente na quinta-feira passada.
Se na comissão o PSD tivesse condicionado a sua aprovação à aceitação das condições que estavam na sua proposta, como agora faz, então a disparatada decisão não teria sido aprovada (pois essas condições foram rejeitadas na comissão) e não teria havido crise política nenhuma.
Mas o PSD e o CDS quiseram deliberadamente aprovar aquela decisão mesmo sem qualquer condição que a pudesse esvaziar, sujeitando-se à humilhação de agora voltar atrás, depois do ultimatum do Primeiro-Ministro, que assim se verifica plenamente justificado. Uma enorme derrota política!
2. Diga-se, de resto, que a condição da sustentabilidade financeira da medida que o líder do PSD agora ressuscita (depois de ter sido abandonada na comissão) não tem pés nem cabeça em termos orçamentais, tratando-se como se trata de uma despesa permanente.
Primeiro, saber se uma despesa adicional é comportável orçamentalmente depende do uso alternativo que se pretenda dar ao dinheiro necessário para a pagar, pois, mesmo que as receitas públicas subam, é sempre possível dizer que há destinos mais urgentes para elas do que para cobrir aquele despesa condicionada. Em segundo lugar, se uma nova despesa pode ser eventualmente comportável num período de crescimento das receitas públicas, como atualmente, já pode deixar de o ser num período de contração económica e de redução de recursos orçamentais. O que se faria então: cortar nas remunerações antes aumentadas?!
Perfeito nonsense!
3. O líder do PSD também não respondeu à segunda grande objeção contra a medida que o seu grupo parlamentar aprovou, a saber, a da sua enorme injustiça, em termos de privilégio de uma certa categoria profissional da função pública, quer face às demais categorias especiais, quer face às categorias gerais da função pública (cuja progressão não depende essencialmente do tempo), quer, por último, em relação aos trabalhadores do setor privado, que durante a crise foram muito mais afetados, já que muitos viram perdido o seu emprego e reduzidos os seus salários, sem que tenham recuperado retroativamente nenhuma dessas perdas.
É estranha essa omissão, num partido que ostenta a sigla PSD, que invoca a social-democracia, que tem entre os seus valores básicos a igualdade e a interdição de privilégios de classe.
Adenda
A sustentatibilidade financeira de uma nova despesa permanente de centenas de milhões de euros (como seria o caso) depende obviamente o nível dos impostos, pelo que, subindo os impostos, é sempre possível acomodá-la. Sendo o PSD militantemente favorável à descida de impostos, como é que se conciliam as duas coisas?
Adenda 2
Um dos aspetos surpreendentes da comunicação de Rui Rio foi o tom agastado e a animosidade em relação ao Primeiro-Ministro, como se tivesse sido objeto de um ataque pessoal. Mas um líder partidário não ganha nada, pelo contrário, em tentar cobrir uma derrota política, aliás autoinfligida, com supostos agravos pessoais. Isso tem o nome de mau perder.