quinta-feira, 30 de maio de 2019

+ Europa (20): "Parlamento inútil"

Não sei o que leva Luís Aguiar-Conraria, por regra bem-informado sobre aquilo que escreve, a dizer neste artigo (acesso pago) que o Parlamento Europeu é um "órgão bastante inútil". Ora, entre as características do PE não se conta seguramente a sua inutilidade, pelo contrário!
Na verdade, o PE: (i) constitui a base da democracia da União, como órgão representativo dos cidadãos europeus; (ii) elege o Presidente da Comissão Europeia (podendo rejeitar o candidato proposto pelo Conselho) e aprova a Comissão (já tendo rejeitado vários comissários indigitados); (iii) escrutina a atividade da Comissão, que perante ele é politicamente responsável (já tendo feito demitir a Comissão Santer); (iv) é o colegislador (junto com o Conselho) da extensa e decisiva legislação da União, que governa grande parte das nossas vidas; (v) aprova os numerosos acordos internacionais da União; (vi) vota o orçamento da União junto com o Conselho; (vii) intervém na nomeação de vários cargos públicos da União (incluindo o Presidente do BCE); (vii) vela pelo respeito dos direitos humanos, da democracia e do Estado de direito nos Estados-membros, etc. etc.
Bem vistas as coisas, tendo em conta os seus vastos poderes, a sua atividade e a sua transparência, o Parlamento Europeu pede meças à generalidade dos parlamentos nacionais.

Adenda
Um leitor observa que, quanto à competência legislativa, os deputados não gozam do poder de iniciativa legislativa, que é monopólio da Comissão, ou seja, do governo da União. É verdade, mas têm iniciativa legislativa indireta, na medida em que o PE pode requerer à Comissão que tome uma iniciativa legislativa em certa matéria, que a Comissão não pode ignorar, tendo de justificar uma eventual recusa, o que poucas vezes sucede. Além disso, os deputados gozam de iniciativa "derivada", podendo alterar livremente as propostas legislativas da Comissão. De resto, hoje em dia, na generalidade dos parlamentos, a maior parte das leis parte da iniciativa dos governos, que muitas vezes gozam de prioridade na agenda parlamentar.

Adenda 2
O mesmo leitor objeta que as leis da União dependem da concordância do Conselho, não bastando o voto do Parlamento, mas assim é também em todos os países com dupla representação política (sistema bicamaral), incluindo os Estados federais e muitos outros (como a França, a Itália ou a Espanha). A UE é uma união de cidadãos e de Estados. De resto, uma das grandes conquistas democráticas da União foi justamente passar do inicial monopólio legislativo do Conselho para a atual codecisão legislativa com o PE, que se tornou regra com o Tratado de Lisboa (2007).