sábado, 1 de junho de 2019

Privilégios (13): Uma perigosa ficção

1. Discordo de qualquer aumento da remuneração dos juízes enquanto se mantiver o seu enorme privilégio das pensões iguais à remuneração (enquanto os demais portugueses veem progressivamente reduzida a "taxa de substituição" das suas), pelo que penso que os eventuais aumentos de remuneração deveriam ser acompanhados da redução daquele privilégio.
As benesses adicionais ad hoc para certas categorias de cargos públicos, enquanto os titulares de cargos políticos ainda não recuperaram o corte de 5% aplicado desde 2010, no início das medidas de austeridade, não ajuda a dar coerência ao sistema remuneratório público.

2. Se a medida reforça um privilégio no que respeita aos juízes, mais ainda o seria se extensiva aos agentes do Ministério Público, como o sindicato destes veio reivindicar. De resto, o chamado "paralelismo de carreiras", equiparando os procuradores do Ministério Público aos juízes constitui uma das mais oportunistas ficções do nosso sistema judicial. São óbvias as diferenças essenciais entre juízes e procuradores:
   - os primeiros são titulares de um órgão de soberania (os tribunais), cabendo-lhes a missão de julgar, enquanto os segundos são funcionários públicos, cuja principal função é a acusação penal, sendo portanto "parte" nos litígios judiciais;
    - os primeiros são inteiramente independentes no desempenho das suas funções, enquanto os segundos estão vinculados à hierarquia do MP, encabeçada pelo(a) PGR;
    - os primeiros desempenham um cargo público, estabelecido por nomeação, enquanto os segundos desempenham funções públicas ao abrigo de um contrato de trabalho.
Como é que estatutos tão diferentes podem ter a mesma remuneração, eis o que desafia a imaginação.