1. Quando Portugal parecia bem encaminhado para superar as sequelas da crise financeira de 2011-2014, alcançando finalmente um saldo orçamental positivo em 2019 e tendo reduzido o peso da dívida pública para cerca de 115% do PIB, eis que a pandemia e a consequente crise económica nos vão recolocar numa complicada situação orçamental, com défice enorme e um aumento da dívida pública sem precedentes (calcula-se que para cerca de 135%), por efeito do acréscimo substancial da despesa pública (saúde, ajuda ao emprego e às empresas) e de um corte dramático na receita (impostos e contribuições para a segurança social).
É evidente que o impacto seria menos severo, se nos últimos cinco anos se tivesse seguido uma política de consolidação orçamental mais exigente, como aqui se defendeu várias vezes, em vez de aumentar anualmente a despesa corrente permanente em centenas de milhões de euros, que agora pesam sobre o orçamento. Mas isso não foi feito, nem se pode voltar atrás.
2. Esses fatores do desequilíbrio orçamental não vão desaparecer logo que a pandemia seja dominada, dada a demora na recuperação económica e do emprego. Acresce que há despesas públicas que a pandemia vai fazer aumentar em termos estruturais, como a de saúde. O financiamento da TAP e porventura de outras empresas, pode fazer elevar substancialmente a fatura financeira da pandemia.
Mesmo que o programa de compra de dívida pública do BCE e o anunciado fundo de recuperação económica da União venham a cobrir a maior parte das necessidades de financiamento público, o inevitável aumento da dívida pública vai degradar o rating da República e fazer subir o custo de financiamento e o spread em relação à Alemanha, degradando a competitividade da economia nacional.
Por isso, mesmo que a UE não venha a repor em vigor a curto prazo as normas do Pacto de Estabilidade e do Tratado orçamental sobre limites ao défice e ao endividamento público, a pressão da dívida e do seu custo vai tornar necessária novamente uma política credível de consolidação orçamental.
3. Ora, mesmo recusando medidas de austeridade em sentido próprio (corte de salários, pensões e prestações sociais ou aumento substantivo da carga fiscal), a consolidação orçamental vai exigir medidas de fundo tendentes à redução da despesa pública, preferivelmente sem pôr em causa o investimento público.
Entre elas ocorrem as seguintes:
- submissão das prestações sociais sem base contributiva a "teste de meios", de modo a beneficiarem somente quem delas precisa;
- introdução da avaliação e da progressão por mérito nas carreiras especiais da função pública, terminando a atual progressão pelo decurso do tempo, que não é orçamentalmente sustentável;
- fim do financiamento pelo Estado da ampliação do metropolitano de Lisboa e do Porto, transferindo esses serviços públicos para a esfera municipal ou intermunicipal, como deveria ser desde sempre;
- pôr fim à isenção das Regiões autónomas de contribuição para as despesas gerais da República, acabando com a iniquidade de estas serem financiadas só pelos contribuintes do Continente, tanto mais que, hoje em dia, os Açores e a Madeira já têm um nível de desenvolvimento bem acima de várias regiões do Continente.
O problema, como é óbvio, está na dificuldade em congregar uma base política para apoiar um tal programa. É mais fácil subir impostos do que cortar na despesa...
Adenda (7/5)
Segundo estas previsões da Comissão Europeia, entretanto publicadas (e retiradas do El País), Portugal terá um défice orçamental de cerca de -6,5% no corrente ano e a dívida pública subirá até cerca de 131% do PIB. Embora sejam menos pessimistas do que as do FMI, invocados no texto acima, estes números não deixam de ser inquietantes.