quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Corporativismo (16): Coutadas profissionais

1. Este pedido da organização regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, tendente ao encerramento de uma empresa de cobrança de dívidas, por alegada violação do exclusivo de "atos próprios" dos advogados (definidos na Lei nº /2004, de 24 de agosto), pode ser uma boa ocasião para debater o fundamento invocado, quer em termos de liberdade profissional (que é um direito fundamental protegido pela Constituição), quer em termos de concorrência na prestação de serviços profissionais qualificados numa economia de mercado (que é baseada numa e noutra).

Tradicionalmente, a crítica às Ordens profissionais apontava sobretudo as restrições ao acesso às profissões e a consequente limitação da "concorrência endógena", que a chamada Lei-Quadro das ordens profissionais de 2013 (Lei n.º 2/2013, de 10 de Janeiro) veio tentar reduzir, sem o ter conseguido inteiramente (até porque foi logo derrogada pelos estatutos de algumas Ordens, incluindo a dos advogados). Todavia, a questão do protecionismo profissional, através da excessiva reserva de atividades, pode ter efeitos ainda mais graves, pois o monopólio profissional injustificado de uns significa impedimento profissional para todos os outros, eliminando a concorrência interprofissional.

2. Na verdade, ao longo deste anos veio-se ganhando uma consciência mais aguda dos custos dessas restrições, não apenas quanto ao sacrifício indevido de direitos fundamentais, mas também quanto aos efeitos negativos, quer sobre o desempenho da economia, que é crescentemente baseada nos serviços e na "servicização" geral da atividade económica, quer sobre o welfare dos utentes de serviços.

Ainda há pouco anos, a OCDE, em colaboração com a Autoridade da Concorrência nacional, elaborou e publicou um relatório altamente crítico sobre as restrições existente em algumas profissões autorreguladas em Portugal, incluindo a advocacia, o qual era acompanhado de recomendações de correção da situação, em alguns casos radicais, que não tiveram qualquer seguimento político ou legislativo.

Por isso, é tempo de pôr fim à "conspiração de silêncio" (em que este blogue não tem manifestamente participado, como se vê pelo número de posts nesta série) e de abrir um debate político e legislativo sobre as restrições à liberdade profissional e à concorrência nas profissões autorreguladas (e nas outras...).