quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Este país não tem emenda (23): Retrocesso

1. Respondendo aos clamores localistas, o Governo vai restaurar muitas das freguesias agregadas na reforma da geografia das freguesias em 2013, abdicando das vantagens da consolidação territorial e do reforço dos meios e recursos dessas autarquias locais de base. E não se trata de alguns ajuatamentos pontuais, estando prevista a restauração de nada menos de 600! Puro populismo político, com vista às eleições autárquicas do próximo ano!

Vai, portanto, aumentar o número de autarcas e a despesa pública nas novas coletividades territoriais, sem nenhum ganho para os habitantes, salvo o retorno das "suas" freguesias. De resto, uma vez aberta a "caixa de Pandora" das reivindicações territoriais, nada nos garante que na AR ao número de freguesias restauradas não venha aumentar ainda mais...

2. Infelizmente, o problema da descentralização territorial em Portugal (para além da falta das autarquias regionais constitucionalmente previstas) não está em haver em freguesias a menos mas sim municípios a mais, dado o significativo número de municipios com menos de 5 000 habitantes (quase cinco dezenas!) e, portanto, sem meios e recursos suficientes para desempenharem as suas missões, tanto mais que em Portugal as competências municipais não são diferenciadas conforme a dimensão e meios disponíveis dos municípios, como sucede em tantos outros países.

Já em 2013 o próprio Governo PSD/CDS e a sua maioria parlamentar meteram na gaveta o programa de assistência financeira que exigia a redução substancial do número de autarquias locais, sem distinguir entre freguesias e municípios, cortando somente no número de freguesias. Desde então a questão da agregação de municípios nunca mais voltou à agenda política, nem sequer ao debate político - uma verdadeira conspiração de silêncio. 

Decididamente, por mais necessárias que sejam, há reformas impossíveis entre nós.

Adenda

Um leitor acrescenta um argumento importante: «É um contrassenso a multiplicação de freguesias, quando muitas das que existem têm muitas carências que limitam o seu desempenho: intalações, equipamento, remuneração dos presidentes das juntas. Era aí que o Governo devia investir!» Tem toda a razão!