1. Inovando em relação às anteriores edições, o projeto de decreto do Presidente da República para a próxima renovação do estado de emergência, a partir de 24 de dezembro, prevê expressamente a punição como crime de desobediência para quem não cumprir as suas determinações.
O decreto remete explicitamente para o art. 7º da Lei do Estado de Sitio e do Estado de Emergência (Lei nº 44/86, na sua atual redação), que diz examente isto:«A violação do disposto na declaração do estado de sítio ou do estado de emergência ou na presente lei, nomeadamente quanto à execução daquela, faz incorrer os respetivos autores em crime de desobediência».
De resto, como o decreto presidencial não é uma lei, não poderia criminalizar uma conduta que não estivesse já prevista e punida por lei.
2. A questão é saber se esse preceito legal, na sua expressão literal, altera o definição do crime de desobediência, tal como consta do Código Penal (art. 348º), segundo o qual, para haver tal crime, não basta infringir uma obrigação legal ou regulamentar (desobediência à norma), sendo necessário haver o incumprimento de uma ordem concreta de uma autoridade legítima.
Ora, não pode deixar de considerar-se uma violência desproprocionada punir como crime e com pena de prisão a simples violação das obrigações decorrentes do estado de emergência (por exemplo, quanto a uso de máscara, limites à circulação ou horários de estabelecimentos), sem ter havido desobediência a uma cominação de autoridade que tenha ordenado a cessação da infração, como estabelece o Código Penal.
A violação de restrições legais de índole administrativa devem ser punidas como contraordenações, e não como crimes.
3. Por conseguinte, é de concluir que a nova cláusula do decreto presidencial não veio acrescentar nada, nem o pretendeu, pois não era preciso invocar expressamente a Lei nº 44/86, para ela se aplicar à violação das obrigações decorrentes do estado de emergência, sempre que declarado.
Em contrapartida, porém, esse preceito legal suscitaria um sério problema de constitucionalidade, se fosse entendido à letra, no sentido de punir como crime de desobediência o simples incumprimento das normas do estado de emergência, sem desobediência à ordem concreta de uma autoridade policial, como exige o Código Penal.