sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Assim vai a política (2): Brincar com as instituições

1.  Esta intimação judicial contra o Presidente da AR requerida pelo Deputado André Ventura para obter a suspensão do seu mandato parlamentar não faz nenhum sentido.

Como jurista qualificado que é, ele sabe bem que (i) os atos da Assembleia da República ou do seu Presidente relativos ao governo do parlamento não são atos administrativos, sendo por isso insuscetíveis de escrutínio pela justiça administrativa e que (ii), como atos singulares que são, também não podem ser impugnados junto do Tribunal Constitucional, ressalvados os atos mencionados no art. 223º da CRP.

As normas constitucionais ou legais pertinentes são "normas imperfeitas", à margem de sanção judicial. Com algumas exceções, a Constituição deixou o escrutínio de atos políticos (do PR, da AR, do Governo) exclusivamente à esfera política, assim evitando a judicialização da política e, no caso da AR, respeitando o autogoverno parlamentar.  

2. É por saber isso, como qualquer estudante de Direito Constitucional sabe, que o deputado Andre Ventura só pode estar de ma fé quando recorre à justiça administrativa, numa óbvia operação de provocação das instituições para efeitos políticos. 

Por isso, além da rejeição liminar da descabida pretensão, o STA deveria equacionar a condenação por litigância de má fé.

Adenda
Um leitor pergunta o que penso sobre a suspensão do mandato de Ventura enquanto for candidato a Presidente da República. Apesar de não prevista no Estatuto dos Deputados, penso que faz sentido e entendo mesmo que poderia  ser automática, independentemente da vontade do deputado e de decisão paralamentar. Trata-se, a meu ver, de uma óbvia lacuna de previsão da lei.