sábado, 2 de janeiro de 2021

Praça da República (42): Contradições oportunistas

1. Esta proposta oportunista do PSD, à boleia do caso Ventura, para alargar os casos de suspensão do mandato parlamentar a pedido dos próprios deputados, por razães de conveniência pessoal, invoca um alegado propósito de "desproletarizar" [sic] a função parlamentar, mas o seu resultado traduz-se numa inequívoca descaraterizaçao da natureza do mandato parlamentar, como obrigação política que deve ser. 
Os demais titulares de cargos políticos (alguns de duração mais longa) também não podem suspender o mandato por vontade pessoal. A conveniência pessoal dos deputados não pode sobrepor-se ao exercício do mandato que assumiram. 

2. Desde logo, pode questionar-se a necessidade de admitir a suspensão do mandato por motivos da vida pessoal, profissional ou política dos deputados num regime em que o função não é exclusiva e em que os deputados podem acumular livremente com outras tarefas. 
Mas a principal objeção tem a ver com o facto de a suspensão voluntária se traduzir num verdadeiro incumprimento do mandato político, que é de natureza pessoal. Embora eleitos em listas partidárias, os deputados são eleitos pelo voto popular, segundo a ordem da lista de candidatos, que é pública.  O nome dos deputados conta! 
Fomentar a instabilidade na composição parlamentar por motivos pessoais só reforça a partidocracia parlamentar e alimenta a pulsão populista contra a elite política.

3. De resto, numa altura em que a exigência de personalizaçao das eleições parlamentares sobe na opinião pública - sendo, aliás, uma proposta oficial do PSD desde há muito -, retomar a "fungibilidade" e a rotação dos deputados eleitos é uma insanável contradição.
Tendo sido apresentada por um vice-presidente da bancada parlamentar, com provável apoio de Rui Rio, esta proposta insensata do PSD agrava o sentimento de desorientação política e doutrinária em que se acha o principal partido da oposição.