Fiquei algum tempo estupefacto e incrédulo, ao saber que o Presidente da República proferiu esta frase - «É o Direito que serve a política e não a política que serve o Direito» -, em jeito de sentença pessoal sobre a generalizada reação negativa, no plano jurídico-constitucional e político, à promulgação das três leis da AR que criam nova despesa pública à revelia e sob protesto do Governo, e atropelando a norma-travão orçamental da CRP (que fui um dos primeiros a censurar).
Que MRS não tenha gostado de se ver generalizadamente criticado por ter circunvindo a Constituição e se tenha sentido "despeitado" pela iniciativa do Governo de recorrer ao Tribunal Constitucional, contra a sua expectativa, compreende-se. Mas que, num Estado constitucional, o Presidente da República, obrigado a cumprir e a fazer respeitar a Constituição, venha inverter a relação entre a política e a Constituição, proclamando o primado da política (evocando, certamente por acaso, a célebre frase de Maurras, «politique d'abord»), não é somente incompreeensivel - é também inquietante.
Esta frase há de ficar entre as mais infelizes teses alguma vez defendidas por um Presidente da República no exercísio de funções, desde a aprovação da CRP há 45 anos. Importa contraditá-la frontalmente: num Estado-de-direito constitucional vale o primado da Constituição, pelo que não pode haver decisão política à margem da mesma, por mais meritória que se apresente, sobretudo se provinda do órgão que tem por missão a defesa da Constituição.