1. Trump foi derrotado nas eleições presidenciais e a direita trumpista perdeu o poder, na Casa Branca e no Capitólio. Mas não no Supremo Tribunal (na imagem) - que também exerce as funções de tribunal constitucional -, onde Trump conseguiu consolidar uma maioria de juízes de direita conservadora (melhor dizendo: reacionária).
O Supremo Tribunal acaba de assestar um profundo golpe num dos pilares da jurisprudência constitucional liberal nos Estados Unidos, a histórica decisão Roe v Wade, de 1973, que reconheceu às mulheres americanas o direito de aborto até à data da "viablidade fetal" (6 meses de gestação). Agora, embora sem se pronunciar diretamente sobre a constitucionalidade da lei, o Supremo Tribunal invocou razões processuais para não impedir a entrada em vigor de uma lei do Texas que proíbe o aborto em qualquer caso para além das seis semanas, tornando-o muito mais difícil, se não inviável, em muitos casos, passando a ser de longe a lei mais restritiva nos Estados Unidos.
2. Com esta decisão, outros estados de maioria republicana vão sentir-se encorajados para adotar leis semelhantes e não tardará o momento em que há de chegar ao Tribunal a impugnação das leis do aborto dos estados mais liberais, havendo o risco de reverter definitivamente a decisão de 1973, objetivo último da direita evangélica e dos movimentos pro life, que pautam a ideologia iliberal em matéria de aborto nos Estados Unidos.
Para piorar as coisas, são escassas as possibilidades de alterar a composição política do Tribunal, visto que os juízes são vitalícios e os magistrados de direita são na sua maioria relativamente jovens.
Uma pesada, e duradoura, herança trumpista.