1. Os resultados das eleições locais em vários municípios do País, a começar por Lisboa, revelam à evidência a irracionalidade do sistema de governo municipal em vigor, em que executivo municipal (câmara municipal) é eleito diretamente em voto de lista e segundo um método proporcional, sendo o presidente da CM automaticamente o primeiro nome da lista vencedora, qualquer que seja a sua percentagem.
Isso permite que, em caso de vitória com maioria relativa - o que sucede com relativa frequência -, o presidente eleito tenha contra si uma maioria de vereadores da oposição, além de ficar em minoria no "parlamento" municipal.
Como é bom de ver, não serão as melhores as condições de governabilidade desses municípios, estando o presidente da CM sob o risco de veto das oposições ou, até, de coligações contrárias ao seu programa de governo municipal.
2. Ora, não há nenhuma razão para a eleição direta do executivo municipal, para mais sendo um órgão colegial.
A solução mais razoável seria adotar o mesmo sistema de governo das freguesias, em que só a assembleia é diretamente eleita. Quanto à junta de freguesia, ela é composta pelo presidente, indiretamente eleito - pois é o primeiro nome da lista vencedora para a assembleia de freguesia -, sendo os vogais eleitos pela assembleia, sob proposta do presidente. Caso o presidente não disponha de maioria na assembleia de freguesia, terá naturalmente de tentar uma coligação com outra força política para obter a eleição dos vogais e o necessário apoio político à sua governação.
Transportado esse sistema para o plano municipal, seria abolida a eleição da CM, a qual seria presidida pelo primeiro nome da lista vencedora para a AM e sendo os vereadores eleitos pelo parlamento municipal sob proposta do presidente.
O confronto entre o governo municipal e a oposição deixaria de travar-se dentro da CM, transferindo-se para a assembleia municipal - a qual teria de ser dotada de meios de que hoje não dispõe - , como sucede no sistema político a nível nacional e nas regiões autónomas.
3. Ora, o exótico regime em vigor, que vem desde 1976, deixou de ser obrigatório desde a revisão constitucional de 1997, há quase um quarto de século, que permitiu a reforma do sistema de governo municipal, a qual não foi efetuada até agora porque não foi possível um entendimento político-legislativo capaz de obter uma maioria de 2/3 na AR, ou seja, um acordo entre PS e o PSD.
Um tal acordo chegou a ser fechado há umas duas décadas, mas depois foi abandonado pelo PSD, não tendo havido nova tentativa de o reeditar desde então. Parece que ambos os partidos estão mais interessados em controlar por dentro as câmaras municipais alheias do que em dar maior racionalidade política e mais eficácia ao sistema de governo municipal.
Quando volta a falar-se em nova revisão da Constituição e em reforma do sistema político, seria conveniente explorar as reformas que a RC de 1997 veio permitir e que até agora ficaram na gaveta.
Um leitor discorda da solução acima proposta, defendendo a opção entre um sistema presidencialista (em que o presidente da CM seria pessoalmente eleito, podendo depois escolher livremente a sua equipa) e um sistema parlamentar, em que o presidente da CM e a sua equipa seriam oriundos do partido ou coligação com maioria na assembleia municipal). Sucede, porém, que nenhuma dessas alternativas é consentida pelo atual regime constitucional.