1. Parece que, no âmbito das medidas orçamentais para conquistar o voto do PCP, o Governo vai propor o englobamento dos rendimentos patrimoniais, ou pelo menos de alguns deles (nomeadamente os dividendos), para efeitos de cálculo do IRS, deixando de estar sujeitos à "taxa liberatória" de 28% (aliás, comparativamente elevada).
A ideia é atraente sob o ponto de vista dos princípios da equidade fiscal. Mas é de questionar a sua eficácia e os seus "efeitos colaterais".
2. Como mostra esta reflexão de um especialista e antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no anterior Governo de António Costa, a tributação desses rendimentos pode ter um efeito contrário, pela migração desses rendimentos para a tributação em IRC ou pela sua deslocação para o exterior, além do aumento da evasão fiscal (no caso do arrendamento), levando assim à perda de receita no IRS, e não ao seu aumento.
Ao que se deve acrescentar o provável efeito negativo sobre o mercado de arrendamento e sobre o investimento na bolsa de valores de Lisboa, um e outro a precisarem de estímulo, mais do que de novos encargos...
3. Por último, a ideia de englobar somente alguma espécie de rendimentos patrimoniais, estabelecendo uma discriminação quanto aos demais, leva seguramente a uma distorção na alocação da poupança nacional (por exemplo, entre imobiliário, ações e obrigações), cuja justificação deve ser politicamente explicada e assumida.
[Declaração de interesses: tenho alguns rendimentos provenientes de rendas e de dividendos, todos devidamente declarados.]
Um leitor comenta, com toda a pertinência, que é vergonhosa a passividade do Governo e da Autoridade Tributária perante a grande evasão do IRS quanto às rendas, distorcendo a informação sobre o mercado de arrendamento e penalizando os contribuintes que cumprem as suas obrigações fiscais. Se não houvesse tanta evasão, poderia haver um alívio fiscal para os cumpridores, sem perda de receita.