sábado, 29 de janeiro de 2022

Eleições parlamentares 2022 (22): Nunca pareceu tão complicado

1. Eis o produto do meu "dia de reflexão" sobre as possíveis equações governativas que podem resultar das eleições de amanhã. 

Nunca terá havido umas eleições tão problemáticas como estas: para além da incógnita que as sondagens alimentam sobre o vencedor e sobre a solidez da sua vitória, há também os numerosos  arranjos governativos que delas podem decorrer.

Se a primeira incógnita estará resolvida amanhã à noite, outro tanto não se pode dizer das soluções de governo, que podem demorar dias ou semanas a encontrar, conforme os resultados, e nada garante que sejam minimamente estáveis.

  

2. Há uma assimetria óbvia quando às soluções de governo, conforme seja o PS ou o PSD a vencer, a qual resulta, quer da maior incompatibilidade programática e política entre o PS e os partidos à sua esquerda, quer do anúncio de demissão de António Costa, se o PS perder as eleições. Essa assimetria é especialmente vincada no caso de um partido vencer, mas o campo político adverso obtiver a maioria na AR. 

Na verdade, depois da surpreendente declaração de Rio ontem à noite, mesmo que o PSD perca as eleições, pode bem haver uma "geringonça" ou, mesmo, uma coligação de direita, se as direitas juntas (incluindo o Chega) tiverem maioria parlamentar, ao passo que à esquerda a hipótese inversa está praticamente excluída, quer pela saída de Costa da liderança do PS, que deixa o partido sem condições, e mesmo sem legitimidade, para protagonizar a solução de 2015, quer pelo travo amarguíssimo deixado pelo rompimento político que consistiu na rejeição do orçamento e na abertura da crise política.

3. Importa sublinhar que na nossa história eleitoral desde 1976, as eleições foram em geral ganhas por maioria relativa (todas, exceto as de 1979, 1980, 1987, 1991 e 2005) e o partido vencedor só ficou confrontado com uma maioria do campo político oposto nas eleições de 2011, em que uma coligação eleitoral de direita (PSD+CDS) venceu as eleições, porém com uma maioria parlamentar de esquerda, o que gerou a "Geringonça".

Esperemos que essa situação excecional de discrepância política entre o partido vencedor das eleições, qualquer que seja, e a maioria parlamentar não se volte a verificar nas eleições de amanhã, para não complicar ainda mais o puzzle eleitoral.

4. Hipótese a não descartar em caso de disputa renhida, como a presente, é a de um partido ter mais votos mas menos deputados, por efeito de uma distribuição assimétrica da votação nos círculos eleitorais mais pequenos, onde as distorções da proporcionalidade podem ser maiores, tornando os deputados do partido mais votado mais "caros", em termos de número de votos, do que o partido concorrente à vitória.

Essa hipótese nunca ocorreu até agora, mas, a verificar-se, poderá ser contra o PS, por causa da tendencial vantagem do PSD nos círculos de menor dimensão do Centro e do Norte do País.

É evidente que numa democracia parlamentar o que conta é o número de deputados e não o número de votos, mas também é incontornável que uma tal situação abalaria a credibilidade do sistema proporcional e a autoridade política do partido vencedor, além de complicar ainda mais o encontro de uma solução governativa.