quinta-feira, 5 de maio de 2022

Regionalização (7): Com conceitos errados não vamos lá

1. Que na linguagem corrente haja uma descabida distinção entre "descentralização" e "regionalização", reduzindo a primeira à transferência de tarefas do Estados para os muncípios, é mau. Que a própria Ministra competente perfilhe essa errada perspetiva, é péssimo para o processo de regionalização, ou seja, de instituição das autarquias regionais em falta desde 1976, cuja retoma o PS e Governo assumiram explicitamente para esta legislatura.

Com efeito, quer sob o ponto de vista teórico, quer constitucional, a descentralização territorial abrange, ao mesmo título, tanto a transferência de competências do Estado para os municípios e CIM (descentralização municipal) como para as autarquias regionais (descentralização regional). A diferença está em que para haver a segunda é preciso criar as competentes autarquias regionais.

2. Essa falta de rigor conceptual só ajuda os adversários da regionalização, que reduzem a verdadeira e própria descentralização à autonomia municipal, tornando dispensável ou supérflua a regionalização.

Um discurso pró-regionalização deve, pelo contrário, sublinhar que as autarquias regionais (designação preferível à anódina noção constitucional de "regiões administrativas") são uma forma de descentralização e que sem elas continuará incompleto o programa de descentralização territorial no Continente previsto na Constituição, prestes a completar meio século.

Adenda
É pena que Ramalho Eanes, normalmente tão ponderado nas suas declarações públicas, se tenha vindo alistar entre os adversários da regionalização, com o velho e relho argumento de que o debate pode dividir o País, num momento como o atual, em que se impõe a unidade nacional. Primeiro, não existe ainda nenhum calendário político para reabrir o processo legislativo, nem muito menos para o referendo constitucionalmente previsto, que só pode avançar depois daquele; segundo, o que divide mais o País, sem que Lisboa queira ver, é o contínuo processo de concentração de recursos na capital e de definhamento do resto do território. Vai-se tornando cada vez mais óbvio que a decentralização regional terá de vencer a oposição de Lisboa. Quando se tem o monopólio do poder, ninguém gosta de o partilhar.