segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Carlos Santarém Andrade (1941-2023)

1. Antes de ser o consagrado especialista da história cultural de Coimbra que depois veio a ser, Carlos Santarém, como era conhecido, tornou-se uma figura mítica na academia coimbrã por causa dos seus desenhos satíricos durante a grande luta estudantil de 1969, que, reproduzidos aos milhares pela AAC, com meios rudimentares, foram um poderoso instrumento de denúncia da repressão governamental e policial. As memórias iconográficas da crise prestam-lhe o devido tributo.

Mais tarde, como membro da redação da Vértice (revista doutrinária ligada ao PCP, onde sucessivas gerações de autores de esquerda colaboraram), preparou e publicou em 1987 o precioso índice de autores da revista desde a sua fundação (1942-1986), que é um instrumento indispensável para a história intelectual do século XX.

2. Embora licenciado em direito, foi como bibliotecário (diretor da Biblioteca Municipal de Coimbra) e investigador da história literária coimbrã que se notabilizou, tendo publicado numerosos estudos não somente sobre a revista Presença, mas também sobre a ligação de muitos escritores e outros intelectuais dos séculos XIX e XX com a Universidade e a cidade de Coimbra, nomeadamente Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, António Nobre, Jose Régio, Vitorino Nemésio, José Gomes Ferreira, Fernando Lopes Graça, Carlos de Oliveira, Ruben A., Miguel Torga.

Alargando o âmbito da sua investigação à história política, ainda recentemente deu a público a sua monografia sobre o desenvolvimento das ideias republicanas na cidade do Mondego, desde meados do século XIX à proclamação da República na cidade, em 6 de outubro de 1910. 

É, portanto, grande a dívida de Coimbra para com ele.

3. É de esperar, por isso, que a importante contribuição de Carlos Santarém para a história cultural e política da cidade (para além do seu papel de diretor da Biblioteca Municipal) obtenha da câmara municipal de Coimbra o devido reconhecimento público.

Isso deve incluir, se possível, a aquisição e valorização do enorme fundo de revistas e suplementos literários e culturais que ele foi colecionando e organizando metodicamente durante décadas e que, com o seu nome, deve ser colocado à disposição dos novos investigadores.

Adenda
Uma maneira simples de recordar a obra de CSA seria a edição, pela CMC, de uma coletânea da série de opúsculos que ele elaborou e publicou sob o lema "Passear na Literatura", sobre os roteiros pessoais de vários dos escritores acima referidos em Coimbra, guiões esses que Mário Torres, também condiscípulo de Carlos Santarém e igualmente um apaixonado cultor da história de Coimbra, está a rememorar na sua excelente página do Facebook.