quarta-feira, 29 de março de 2023

Não dá para entender (41): Jogar dinheiro fora

1. Pelas razões AQUI expostas, discordo inteiramente da isenção de IVA de um vasto cabaz de compras, que o Governo adotou à pressa, desdizendo repetidas posições anteriores contra essa política, que, aliás, contraria também as recomendações do BCE e da Comissão Europeia contra medidas de contenção de preços de natureza transversal, socialmente indiferenciadas.

Mesmo assumindo que ela se vai repercutir inteiramente em correspondente descida de preços - que, aliás, já estão em curva descendente - , sucede que, contraditoriamente, essa isenção de IVA vai obviamente beneficiar quem menos precisa de ser subsidiado, ou seja, os titulares de mais elevados rendimentos, porque consomem mais. Custando esta medida cerca de 600 milhões de euros aos cofres públicos (incluindo subsídios agrícolas), e resultando num escasso desconto médio mensal de uns doze euros, aqueles milhões teriam melhor serventia se destinados a subvencionar mais o poder de compra de quem mais precisa.

Não podendo ser socialmente seletiva, a isenção de IVA traduz-se em deitar dinheiro público fora.

2. Aliás, esta medida de subvenção fiscal universal vêm somar-se a outras tomadas logo no início do surto inflacionista e que não foram, entretanto, revertidas - como a redução do ISP e das portagens nas autoestradas -, cuja despesa fiscal se traduz também em centenas de milhões de euros e que, beneficiando especialmente os automobilistas, não têm como destinatários as camadas sociais de menores rendimentos. 

Não dá para entender que filosofia é que justifica esta política socialmente "neutra" de contenção dos preços.

Adenda
«Estranho país este onde se come o dobro do recomendado, pelo que, obviamente, mais de metade dos adultos tem excesso de peso, mais de 1/5 é mesmo obeso — e onde esta situação é ainda mais grave nas classes socioeconómicas mais desfavorecidas — e que também, para agravar, consome quatro vezes mais carne do que o recomendado, o Governo tenha decidido eliminar o IVA dos “produtos mais consumidos”, incluindo a carne e a manteiga. (...) Da lista não faz parte o siso, provavelmente por não ser dos “produtos mais consumidos”». H. Carmona da Mota, Coimbra, nas Cartas dos Leitores do Público de hoje. Subscrevo!

Adenda 2
Um leitor argumenta que o Governo só avançou para esta medida porque a inflação já está a diminuir e tudo indica que continue a baixar, mesmo sem IVA zero, para no fim dizer que "o investimeto valeu a pena".  É, de facto, uma boa jogada política, mas talvez demasiado cara, nao é?