1. Suponho que é a primeira vez, no sistema político-constitucional de 1976, que um Presidente da República faz saber publicamente que entende que um ministro deve ser demitido e que, depois, vem anunciar oficialmente que discorda da opção do Primeiro-Ministro de recusar o pedido de demissão entretanto apresentado pelo próprio Ministro em causa.
A razão para esta inovação é simples: até agora nenhum PR entendeu, como MRS, que detém um poder de superintendência e tutela política quotidiana sobre o PM, quer para efeitos de recorrente crítica e de recomendações públicas sobre a atividade governativa, quer para se permitir, como agora, censurar e propor publicamente a demissão de ministros.
Sucede que não existe nenhuma base constitucional para tal poder de tutela presidencial, pois o Governo não deriva a sua legitimidade política das mãos do PR nem é políticamente responsável perante ele, mas somente perante a AR. De igual modo, é domínio reservado do Primeiro-Ministro manter ou não a confiança nos seus ministros e decidir sobre eventual remodelação governamental.
2. Sou dos que pensam que os insólitos episódios ocorridos no gabinete ministerial do ministério das Infraestruturas questionam a credibilidade do Ministro, o qual, em condições normais, teria de sair.
Por isso, penso que a surpreendente recusa do seu pedido de demissão resultará de uma decisão do chefe do Governo de não aceitar passivamente mais este grave passo na ingerência de Belém na esfera governativa e de não continuar a suportar discretamente, como até aqui, o abuso de poder presidencial, tornando-se conivente com a manifesta subversão do quadro constitucional sobre o sistema de governo (que venho denunciando há muito).
Como um ato público de "libertação" da indevida tutela presidencial, há que louvar a coragem política que revela. Resta saber se as circuntâncias comprometedoras deste caso permitem vindicar politicamente o confronto com Belém...