sexta-feira, 23 de junho de 2023

Corporativismo (47): Leitura obrigatória


1. Quem se pronuncia sobre a reforma das ordens profissionais, assim como os deputados que vão aprovar os novos estatutos, deveriam ler este texto do economista Sousa Carvalho no Jornal de Negócios de hoje, baseado em sólidos estudos da OCDE e da UE.

Alguns excertos:

«Muitos dos profissionais destas ordens estarão nesta altura a rasgar as vestes, as togas, as batas e outras indumentárias, maldizendo a reforma. 
Mas para perceber a pertinência da reforma, primeiro temos de perceber qual é o problema que o país está a tentar resolver. (...) Entre os várias componentes que a OCDE usa para calcular este índice [da regulação do mercado], há um em que Portugal sai francamente mal na fotografia e que tem a ver precisamente com as barreiras à entrada no setor dos serviços como os da advocacia, notários, contabilistas e engenheiros civis. Neste indicador Portugal aparece com um PMR de 3,7 e, a par da Bélgica e Itália, somos os piores da OCDE
Como é que se resolve isto? Removendo as barreiras de acesso às profissões reguladas. Isto vai levar a um aumento do número de profissionais liberais recém-chegados (nacionais e estrangeiros), o que vai aumentar a oferta e baixar os preços pagos pelos consumidores por esses serviços. (...) 
Há um estudo de 2015 da Comissão Europeia que diz que as barreiras à entrada nas profissões reguladas aumentam o prémio salarial destas profissões, em média, em 4%, sendo que há categorias profissionais onde este prémio chega aos 19,2%. Esta distorção de salários significa naturalmente preços mais elevados a serem pagos pelos consumidores desses serviços. Esse mesmo estudo conclui que a remoção de barreiras regulatórias faz aumentar em 3% a 9% o número de pessoas nessas profissões. (...)».

2. Moral da história: as barreiras à entrada nas profissões, incluindo em especial os chamados "atos próprios" (melhor dizendo, atos exclusivos) injustificados de cada profissão, vedados a outros profissionais, revertem em favor dos profissionais (maior remuneração) e em prejuízo dos destinatários dos serviços (menos escolha e preços mais elevados) e da economia (menos crescimento).

Infelizmente, tal como sucede em geral no confronto entre o interesse difuso de muitos, por um lado,  e o interesse de grupos organizados, por outro, os consumidores de serviços profissionais não dispõem de sindicatos nem dos favores da imprensa para exprimir o seu apoio à reforma, enquanto os seus opositores instrumentalizam as ordens para defender as suas coutadas, com aplauso dos media...

Adenda
Perante a demonstração cabal das vantagens da redução das excessivas restrições vigentes ao exercício das profissões "ordenadas", não deixa de causar surpresa a oposição à reforma por parte do PSD, que outrora foi um partido liberal-reformista, mas que agora renega esse legado e, por puro oportunismo político, apadrinha as posições mais reacionárias, e totalmente infundadas, de algumas ordens ("ingerência", "controlo político", etc.), de par com o Chega, multiplicando manifestações de "namoro" político com o partido da extrema-direita. Lamentável!