quinta-feira, 22 de junho de 2023

Novo aeroporto (6): Abuso ministerial

1. A declaração do ministro João Galamba a tentar desqualificar a alternativa de Santarém para o novo aeroporto, desde logo por causa da distância, constitui um claro abuso de poder, uma vez que interfere escandalosamente com a competência atribuída à comissão independente, nomeada pelo Goveno a que ele pertence, para relatar e dar parecer técnico sobre as alternativas disponíveis, entre as quais está à partida, por decisão do mesmo Governo, a de Santarém, quer como hipótese de aeroporto único, quer como aeroporto complementar de Lisboa.

Ao vir tomar posição pública sobre o assunto, na verdade "vetando" Santarém e optando por Alcochete (a outra alternativa real), assim desautorizando o Governo de que faz parte e pondo em causa a independência de juízo da comissão, torna-se óbvio que, apesar da posterior tentativa de correçãoa decisão política final sobre o aeroporto, que lhe cabe propor ao Conselho de Ministros, já está antecipadamente tomada por ele, inquinando a legitimidade da decisão e tornando numa perda de tempo e de dinheiro os trabalhos da comissão independente

2. Além disso, a forma leviana como interveio, centrada sobre a questão da distância, sem trazer à colação o tempo de acesso ao aeroporto, os custos dos acessos e as emissões de carbono (e demais custos ambientais) de cada alternativa, nem tampouco a população mais bem servida por cada uma delas, o Ministro revelou estar capturado pelo mais grosseiro preconceito lisboacêntrico vulgaris, segundo o qual o interesse geral do País se mede pelo interesse imediato da capital em manter um aeroporto no seu quintal e ter outro no quintal do vizinho.

É um preconceito manifestamente impróprio de um Governo que devia estar apostado em optar pela melhor solução aeroportuária em termos de hub nacional e a mais compatível possível com a coesão territorial do País.

Adenda
Um leitor observa que a questão é mais grave, dado que a presidente da comissão independente, Rosário Partidário, também é «tudo menos imparcial nesta questão, pois participou no estudo do LNEC que em 2008 optou por Alcochete contra a Ota, pelo que se devia ter declarado incompatível, o que não fez». E prossegue, cosiderando que, desta vez, havendo uma alternativa forte a Alcochete, que é Santarém, era preciso matá-la preventivamente, «tarefa de que o Ministro se veio encarregar descaradamente». E conclui que «o jogo está marcado desde o início, com resultado antecipadamente decidido». Por mim, recusando-me a ver o Governo a participar numa encenação destas, tenho de admitir, porém, que a provocatória intervenção do Ministro deixa margem para todas as interrogações a espíritos menos confiantes...