sexta-feira, 9 de junho de 2023

Sistema eleitoral (6): Uma boa ideia, mas...

1. Há muito tempo que, tal como Ascenso Simões neste artigo de hoje no Expresso, defendo a substituição dos antigos distritos administrativos pelas novas comunidades intermunicipais (CIM), como circunscrição territorial dos círculos eleitorais, pela elementar razão de que aqueles, que eram autarquias locais em 1974, desapareceram como circunscrição relevante, deixando de ser um fator de identidade territorial.

No entanto, divergindo dele, entendo que não há necessidade nenhuma de mexer na Constituição para esse efeito, por duas razões: (i) atualmente, ela deixa essa matéria para a lei, mediante aprovação por maioria de 2/3, ou seja, exigindo o mesmo apoio interpartidário da revisão constitucional; (ii) tal mudança no sistema eleitoral deve ser enquadrada numa revisão mais ampla da lei, não sendo a revisão constitucional a sede mais apropriada para a efetuar.

2. Também estou de acordo em que os círculos eleitorais devem ter limites mínimos e máximos de deputados a eleger, mediante a nessária desagregação das CIM maiores, acabando com a enorme assimetria hoje existente, que vai de dois deputados (Portalegre) a 49 (Lisboa). 

Mas penso que o intervalo proposto pelo autor - entre dois e cinco - é inaceitavelmene baixo, pois daria resultados muito pouco proporcionais e tenderia a reduzir a representação parlamentar a três ou quatro partidos. Tenho proposto entre um mínimo de três e um máximo de sete, sendo, porém, essa mudança acompanhada de mais duas importantes alterações:

   - a criação de um círculo nacional sobreposto, elegendo um décimo dos deputados (23), para o qual contariam todos os votos a nível nacional, reduzindo o atual excesso de votos desperdiçados e alargando a representação partidária no parlamento;

   - a adoção do voto preferencial, dando aos eleitores a possibilidade de, dentro da lista partidária em que votam, escolherem também o(s) canditato(s) da sua preferência (para o que os boletins de voto passariam a incluir também a lista dos candidatos de cada partido).

Estou convencido de que estas duas mudanças respondem a dois problemas reais do atual sistema eleitoral e reduziriam a tendência para a abstenção.

Adenda
Ascenso Simões não está sozinho na incorreta suposição de que a reforma do sistema eleitoral tem de passar por revisão constitucional. Num recente estudo sobre o tema, inserido no Essencial da Política Portuguesa, o seu autor, Jorge M. Fernandes, também afirma que «a reforma do sistema eleitoral em Portugal exige uma alteração da Constituição». Ora, ressalvado o metodo de Hondt, a CRP deixa uma ampla margem de manobra ao legislador para mudar os principais componentes do sistema eleitoral  (número de deputados, tamanho e configuração dos círculos eleitorais, incluindo a admissão de círculos uninominais e de um círculo nacional, possibilidade de voto preferencial, etc.). Trata-se, portanto, de uma tese sem fundamento.

Adenda (2)
Um leitor objeta que com a minha proposta o sistema eleitoral deixaria de dar resultados proporcionais, sendo por isso «inaceitavelmente antidemocrática» e, mesmo, anticonstitucional. Mas não tem razão. Quanto ao primeiro ponto, a noção de proporcionalidade é relativa: seguramente a minha proposta tornaria o sistema eleitoral menos proporcional, mas ele continuaria a ser proporcional, bem diferente dos sistemas maioritários. Quanto ao segundo ponto, o conceito de democracia representativa nem sequer supõe necessariamente um sistema eleitoral proporcional, pois, de outro modo, teríamos de excluir os países de sistema maioritário, como o Reino Unido ou a França. A Constituição garante um sistema eleitoral proporcional, mas não impõe um grau superlativo de proporcionalidade, nem muito menos uma proporcionalidade perfeita, que, aliás, não existe.

Adenda (3)
Outro leitor pergunta porque proponho um limite superior tão baixo para o tamanho dos círculos eleitorais territoriais (sete deputados), embora corrigido em parte pelo círculo nacional. A principal razão tem a ver com a minha proposta de voto preferencial (dentro das listas partidárias) nos círculos territoriais, o que, a meu ver, requer listas de candidatos reduzidas, para caberem no boletim de voto e, sobretudo, para que os eleitores os possam identificar a todos e fazer uma escolha informada. Além disso, porém, convirjo com a perspetiva de um influente texto de Carey e Hix, de 2011, que consideram a solução dos círculos eleitorais de baixa magnitude (na sua proposta, entre três e oito deputados) como o «sweet spot eleitoral».

Adenda (4)
À pergunta sobre a minha perspetiva sobre a «viabilidade política de uma reforma do sistema eleitoral», a minha resposta é de franco ceticismo, por várias razões: (i) porque o sistema eleitoral vigente não dá sinais de crise grave, apesar da crescente abstenção e da fragmentação parlamentar; (ii) porque os dois principais partidos nem querem ouvir falar em voto preferencial, continuando o "namoro" com o sistema alemão, que nem na sua pátria de origem funciona bem; (iii) porque o PSD continua a condicionar qualquer revisão à sua obsessão pela redução do número de deputados, o que o PS não pode aceitar (e bem). Demasiados e elevados obstáculos.