sexta-feira, 1 de setembro de 2023

O que o Presidente não deve fazer (36): Deslocado

1. Quem não entrou de férias foi o inesgotável ativismo político do atual inquilino de Belém, forçando as margens do seu estatuto constitucional, como sucedeu por estes dias, com a sua participação num evento político do PSD, seu partido de origem, num deslocado sinal de cumplicidade política. 

Julgo não incorrer em erro, ao pensar que nenhum Presidente anterior se permitiu intervir num evento partidário, num entendimento, a meu ver constitucionalmente apropriado, de separação entre a presidência da República e os partidos políticos. Infelizmente, o atual Presidente decidiu afastar-se dessa prudente e consolidada prática, desde a origem do atual sistema político-constitucional.

2. Ao contrário do que sucede nos sistemas presidencialistas e em alguns dos chamados sistemas semipresidencialistas, entre nós o PR não é candidato eleitoral de partidos nem tem partido, uma vez eleito, o que está de acordo com o seu papel de "poder moderador", que supõe a sua imparcialidade partidária. 

Mas parece evidente que, ao abandonar o princípio da separação, contra a lógica constitucional, o Presidente também perde em autoridade quanto ao seu papel primacial de garante do "regular funcionamento das instituições", que supõe obviamente a ausência de qualquer enviesamento partidário.

Adenda

Segundo esta notícia, o PR ter-se-á oferecido também para intervir em reuniões das juventudes partidárias do PS - que obviamente rejeitou - e do CDS, partido que nem sequer em representação parlamentar - que evidentemente aceitou, agradecido, a atenção -, sendo desconhecido o critério que excluiu outros partidos com representação parlamentar da generosidade presidencial...

Adenda 2
Um leitor observa que na sua intervenção o PR não explicitou nenhum apoio ao PSD e que se limitou a falar sobre a Ucrânia, e não sobre a política interna. Discordo. Primeiramente, o apoio ao PSD decorre desde logo da visibilidade acrescida que a visita de MRS deu à iniciativa partidária e à sua prolongada exposição nas televisões com o logótipo do partido atrás de si. Segundo, mesmo que tenha um poder de consulta qualificado em matéria de política externa, esta também é da competência decisória do Governo, que por ela responde perante a AR, e não do PR, não fazendo sentido que este vá discuti-la pessoalmente num evento político do principal partido da oposição, como se fosse o responsável por ela.