1. A razão por que penso que o relatório do MP sobre o caso "Influencer" falha o alvo está em que, a meu ver, não faz sentido construir laboriosamente como um caviloso "plano criminal" aquilo que parece não passar de um caso vulgar de lobbying empresarial junto dos decisores públicos, tentando convencê-los do interesse público do seu vultuoso projeto de investimento (que, aliás, no caso concreto parece convincente e que ninguém impugnou...).
Desde que não envolva corrupção, mediante "luvas" para obter uma decisão favorável, nem a atividade de "influenciador" profissional ao serviço de uma empresa, nem a consideração dos seus argumentos pelos decisores políticos são politicamente censuráveis, nem muito menos penalmente puníveis.
2. Há muito que defendo a regulação geral do lobbying (por exemplo, AQUI), não para o tornar lícito - pois não é, em si mesmo, ilícito -, mas sim para lhe conferir a transparência adequada, reduzir os riscos do seu abuso, aumentar a accountability do poder político, proteger os decisores políticos (deputados, governantes, etc.) de acusações malévolas e superar a geral desconfiança pública em relação a tal atividade.
A obrigação de registo público dos agentes profissionais dedicados a essas atividade (advogados, consultores, agências de relações públicas, etc.) e a de registo dos contactos de lobbying por parte dos decisores políticos no respetivo órgão de transparência, são ferramentas indispensáveis nessa regulação.
O exemplo do modelo regulatório da UE (que tive de respeitar como parlamentar da União) é especialmente instrutivo.
3. Infelizmente, por vicissitudes várias, entre nós os textos negociados no parlamento sobre o assunto desde 2019 não chegaram ao Diário da República, num caso por veto presidencial e recuo do PSD (2019), noutro caso, pelo fim da legislatura (2021); apesar da maioria absoluta desde o início de 2022, o PS não cuidou de retomar o competente procedimento legislativo.
Estou convicto de que, se tivesse sido aprovada uma tal lei, esta investigação penal poderia não ter existido, quer por a atividade de lobbying ter enquadramento legal e ser, portanto, menos estranha à opinião leiga, quer por os decisores políticos estarem mais conscientes dos cuidados a ter nesta matéria, quer, finalmente, por os guardiães da transparência terem menos motivos para condenações sumárias.
Ou seja, o PS pode estar a pagar o preço da sua relativa incúria política e legislativa e do desinteresse alheio (PSD), neste tema politicamente ultrassensível.