1. Se fossem necessárias mais provas do protecionismo corporativo das ordens profissionais no (não) exercício do seu poder disciplinar - que é uma das suas principais tarefas públicas -, bastaria este caso gritante, em que médico radiologista, que veio a ser judicialmente condenado por molestar sexualmente duas pacientes no exercício de atos profissionais, se limitou a puni-lo disciplinarmente com simples censura, por «ato não preconizado», e por mera negligência, ignorando a óbvia e deliberada agressão sexual.
Infelizmente, estes casos que vêm a público são somente a ponta do icebergue do défice na prática do poder disciplinar das ordens, em geral, quer por não haver queixas (porque os lesados não confiam nelas), quer por prescrição (por deliberado atraso no seu julgamento), quer pela absolvição ou aplicação de penas ligeiras. Está na altura de o Governo ou o parlamento encomendarem um estudo a uma entidade independente sobre a (in)efetividade da prática disciplinar das ordens.
2. É esta indecente complacência deliberada com a violação das obrigações legais e deontológicas dos seus membros, que justifica que a nova Lei-quadro das ordens profissionais tenha tomado três previdências nesta área: (i) determinar a inclusão obrigatória de "leigos" nos conselhos disciplinares; (ii) atribuir o poder de queixa disciplinar ao novo "provedor dos utentes"; e (iii) entregar ao novo "conselho de supervisão", composto maioritariamente por não-profissionais, o poder de controlo sobre o exercício da ação disciplinar das respetivas ordens.
Eis porque há que repudiar os comprometedores protestos da OM contra o novo regime legal das ordens, e estar vigilante contra a provável resistência passiva ao seu seu leal cumprimento. A autodisciplina profissional não pode continuar a ser a parra que esconde a impunidade disciplinar.