quarta-feira, 27 de março de 2024

Aplauso (38): O partido adulto na sala

1. Fez bem o PS em contribuir para desbloquear a comprometedora ameaça de crise institucional criada na AR pela imprudência do PSD, ao confiar ingenuamente no acordo com o Chega para assegurar a eleição do Presidente da AR, acordo que Ventura rompeu sem escrúpulos políticos (e já sem surpresa). 

Mesmo que a legislatura não venha a ser cumprida, e o PS não chegue a exercer a sua parte na presidência da AR, fica sempre o óbvio significado político deste episódio: o PSD experimentou mais uma vez os custos do "namoro" sem rede com a direita radical, e o PS reforçou o seu estatuto de partido capaz de, sem deixar de protagonizar a oposição ao Governo, sacrificar os seus interesses políticos imediatos em prol do prestígio das instituições democráticas.

É bom saber que em casos de emergência institucional há "partidos adultos na sala", capazes dos compromissos necessários para os superar.

2. Para além de se inspirar numa prática do Parlamento Europeu em anteriores legislaturas, a repartição temporal da presidência do parlamento pelos dois principais partidos tem a seu favor neste caso a igualdade de deputados entre o PSD e o PS, e esta solução pode vir eventualmente a iniciar uma "convenção constitucional", pelo menos nos casos em que o partido vencedor das eleições, ou tido como tal, não tem uma maioria de deputados no seu campo político para eleger o Presidente da AR, ou não consegue ativá-la, como neste caso. 

As regras de uma democracia constitucional não se resumem aos preceitos constitucionais, incluindo também as práticas instituídas que não sejam incompatíveis com aqueles.

Adenda
Discordando deste post, um leitor defende que «o PS não devia ter dado a mão ao PSD, salvando-o da traição do Chega e da humilhação de não conseguir eleger o seu candidato a presidente da AR». Não sufrago esse entendimento, como é óbvio. Há que distinguir, por um lado, as fundas divergências entre o PS e o PSD quanto à orientação política e, por outro lado, a responsabilidade comum de ambos em atalhar as eventuais ameaças de crise institucional, como era o caso. Um coisa é liderar a oposição política ao Governo, outra é facilitar o "jogo sujo" do Chega contra as instituições.

Adenda 2
Outro leitor considera que «se foi o Chega a tirar o tapete ao PSD no caso da eleição do Presidente da AR, pondo em risco um acordo de governo entre ambos, esta ajuda do PS ao PSD tira o tapete à proposta de unidade de esquerda contra o Governo de direita». Como já expliquei antes, não acompanho a ideia de uma frente de esquerda na oposição, como foi proposto pelo BE, dadas as óbvias divergências entre os diversos partidos, pelo que, sem prejuíuzo das normais consultas, o PS deve manter a sua autonomia política como líder da oposição