sábado, 23 de março de 2024

Falsas boas ideas (4): Fugir ao parlamento?

1. Esta ideia de o novo Governo minoritário legislar preferentemente por decreto-lei, evitando a AR, não tem pés nem cabeça. 

Primeiro, há as muitas matérias de competência reservada da AR, sobre as quais o Governo não pode legislar, ou só pode fazê-lo sob autorização parlamentar, o que se não afigura viável sem negociação com os partidos de oposição; em segundo lugar, todos os diplomas legislativos do Governo, mesmo no uso de competência própria, podem ser chamados, ato contínuo, a controlo parlamentar e ser modificados ou revogados.

De resto, além de ser uma falsa solução, a proposta de "fuga ao parlamento" pode, pelo contrário, acirrar as oposições contra o Governo, piorando a situação deste.

2.  Um governo minoritário está, por definição, mais dependente do parlamento do que um governo maioritário. 

O poder legislativo governamental autónomo é uma ilusão quando se trata de governos minoritários, especialmente no caso deste Governo de direita, que tem menos deputados do que o campo político adverso - os partidos de esquerda - e que, portanto, precisa do apoio, e não somente da abstenção, dos demais partidos de direita.

Como primeiro esquema para atenuar a vulnerabilidade política de um Governo tão minoritário como este, a proposta de contornar o parlamento não é seguramente uma ideia brilhante. Exige-se melhor dos estrategos do Governo Montenegro. 

Adenda
O Público de hoje acrescenta que o Governo não tem maioria parlamentar para confirmar os diplomas vetados pelo PR. Mas não é de crer que tal seja um problema real: 1º - como mostro acima, poucas serão as leis aprovadas na AR somente com os votos das bancadas governamentais; 2º - em qualquer caso, a hipótese de veto legislativo presidencial será ainda mais rara. Na verdade, com este Governo - que, afinal, também é seu... -, é de antecipar que o poder de veto do PR vai "entrar de férias", não sendo, portanto, de recear o "fogo amigo" de Belém..