1. O substancial aumento da participação eleitoral nos círculos eleitorais do exterior nestas eleições parlamentares veio alimentar a ideia de elevar o número de deputados que eles atualmente elegem (4), e até o comentador Marques Mendes veio ajudar a essa "missa", fazendo uma comparação com círculos eleitorais do território nacional com semelhante número de eleitores e que elegem mais deputados.
Penso, porém, que não se deve aumentar esse número. Primeiro, é a própria Constituição que afasta o critério do número de eleitores na determinação do número de deputados a eleger pelos residentes no exterior; segundo, como o número de deputados da AR não pode ser aumentado, o acréscimo de deputados dos círculos do exterior só poderia ser feito à custa de uma redução dos deputados eleitos no território nacional; terceiro, há muitos países, incluindo na Europa, que não conferem direito de sufrágio aos eleitores residentes fora do País (como a Irlanda), ou que deixam de o reconhecer passado um certo tempo de ausência do País (como a Dinamarca, dois anos).
A verdade é que nem a teoria democrática, nem nenhuma obrigação internacional, impõem a participação dos residentes no exterior na escolha dos parlamentos e dos governos nacionais.
2. E comprende-se bem porquê: os residentes no exterior não compartilham em geral das obrigações dos residentes, nomeadamente quanto ao pagamento de impostos (sem ignorar, todavia, a importância económica das remessas dos emigrantes), nem são afetados pela generalidade das políticas adotadas pelos respetivos parlamentos e governos.
No entanto, a democracia representativa é, por definição, a governação exercida pelos representantes eleitos direta ou indiretamente pelos governados, ou seja, aqueles que vão ser os destinatários das leis e das políticas governamentais adotadas e que sustentam o Estado com os seus impostos.
Os residentes no estrangeiro, muitos deles sem nenhuma conexão direta com o País e outros acumulando a nacionalidade do seu país de residência, só marginalmente compartilham de ambas aquelas dimensões da cidadania, pelo que faz pouco sentido que possam influenciar fortemente a escolha dos governantes.
3. Ora, mesmo elegendo só quatro deputados, os círculos do exterior estiveram à beira de decidir o vencedor destas eleições. Com a crescente fragmentação partidária, o aumento desse número faria aumentar exponencialmente esse risco, criando um problema de legitimidade política, mesmo ignorando os problemas de segurança e de integridade do voto no exterior.
Sendo indubitavelmente justificada, como instrumento de reforço do sentimento de pertença nacional, a representação política exterior deve, porém, ser proporcional à sua contribuição para os encargos da República e à medida em que compartilham dos seus problemas e das soluções políticas que lhes são dadas.