1. Não se compreende bem como é que um liberal assumido, como Passos Coelho, se dispõe a apresentar e, implicitamente, a patrocinar «um 'manifesto' contra “os adversários da família”, “a ideologia de género” e “a cultura de morte”», que é coletânea de textos de um conjunto de autores, que, embora com algumas exceções, representa doutrinariamente o que de mais radicalmente de direita antiliberal existe entre nós, combatendo todos os avanços das últimas décadas no sentido de alargar a liberdade individual, nomeadamente a emancipação feminina, a IVG, o casamento de pessoas do mesmo sexo, a morte assistida em condições-limite, etc.
A publicação de um "manifesto" destes é especialmente inquietante em cima das celebrações do cinquentenário do 25 de Abril, que abriu caminho, desde logo na Constituição de 1976 e na subsequente revisão do Código Civil, à desmontagem da conceção corporativa da família da Ditadura.
2. Que os autores dos textos defendam a suas ideias, individualmente ou organizadamente -, nada a objetar numa democracia liberal. Mas que elas recebam a cobertura política de um ex-líder e ex-primeiro-ministro do PSD - o atual partido no Governo -, isso é muito menos compreensível, comprometendo sem dúvida o partido onde continua a ter muitos adeptos e em cuja campanha eleitoral participou recentemente.
Será que, antecipando uma eventual união política, deixou de haver fronteira doutrinária entre a direita liberal e a direita retrógrada?