quarta-feira, 19 de junho de 2024

Praça da República (82): O Ministério Público fora da lei

1.  Mais um vez, o Ministério Público vazou para a imprensa "amiga" escutas telefónicas colhidas em processo em segredo de justiça, desta vez com a agravante de se tratar de conversas obviamente sem nenhuma relevância penal - entre o ex-PM, António Costa, e o ex-Ministro das Infraestruturas, João Galamba, sobre questões de Governo - e que, portanto, não deveriam sequer ter sido guardadas. Trata-se de mais um caso de manifesta intrumentalização da investigação penal para efeitos políticos, em que o Ministério Público se tornou useiro e vezeiro.

Sem nenhuma explicação pública da PGR, como era devida, foi noticiada a abertura de um inquérito interno à "fuga" das escutas. Mas, como é evidente, mesmo que tal inquérito viesse a dar em alguma coisa - hipótese altamente improvável, dados os antecedentes -, a deliberada interferência do MP na vida política está mais uma vez consumada, sem que ninguém assuma a devida responsabilidade institucional.

2. Um dos supostos crimes geralmente imputados aos políticos que o MP toma por alvo é o de prevaricação, a qual, nos termos da lei penal competente, consiste na conduta de um titular de cargo político, à margem do direito, para favorecer ou prejudicar alguém. Assim sucedeu, mais uma vez, no processo Influencer.

Ora, o que sucede é que é o próprio MP que preenche este tipo legal de crime, quando instrumentaliza deliberadamente a investigação penal (desprezando a presunção de inocência, ignorando o princípio da necessidade e da proporcionalidade nas escutas, buscas domiciliarias e outras medidas lesivas da privacidade, violando do segredo de justiça) para efeito de perseguição política. Assim, a instituição constitucionalmente chamada a exercer a ação penal, envolve-se ela-mesma na atividade delituosa que tantas vezes infundamente imputa às vítimas dos seus abusos de poder. 

Assim se vai degradando, por dentro, o Estado de direito, esteio básico da democracia constitucional. Não dá para perceber o silêncio e a complacência do poder político, desde o PR ao Governo, passando pela AR, com esta verdadeira degenerescência institucional.