quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Como era de temer (12): Reviravolta no ensino superior

1. Segundo a edição eletrónica do Expresso de hoje, o Governo «quer facilitar [a] fusão entre universidades e politécnicos»

A ser isto verdade (desconheço o teor do projeto), trata-se de uma proposta profundamente disruptiva, que aproveita a suposta "revisão" do RJIES (Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior), que o PSD nunca tinha posto em causa, para virar de alto a baixo uma das suas opções fundamentais - que, aliás, vinha de muito antes -, que é a separação de natureza, de vocação e de estatuto entre o ensino universitário e o ensino politécnico, tanto no setor do ensino superior público como no privado. 

Não se vê fundamento bastante para uma reviravolta deste calibre.

2. Considero esta proposta um erro político grave, pelos seus previsíveis efeitos nefastos em dois aspetos: por um lado, a tendencial descaracterização do ensino universitário, passando a haver universidades "mistas", ao lado das "clássicas", que se mantenham separadas do ensino politécnico; por outro lado, a perda de expressão do ensino politécnico, pois a suposta fusão vai traduzir-se efetivamente na absorção dos politécnicos pelas universidades, que muitos daqueles, aliás, vão aceitar de bom grado, na mira de alcançar a equiparação de carreira docente, de remuneração, etc. 

Neste segundo aspeto, esta reforma só é equiparável ao fim da autonomia do ensino profissional no ensino secundário, a seguir ao 25 de Abril, em nome de uma equívoca e mal compreendida igualdade social no ensino, que na verdade redundou numa grave e duradoura redução da oferta de ensino profissional. O mesmo com certeza vai suceder agora no ensino superior, quando é conhecido o défice do País em quadros profissionais qualificados. 

Trata-se, a meu ver, de uma proposta que subverte desnecessariamente, e com previsíveis efeitos nocivos, o sistema de ensino superior, tal como o conhecemos desde há muito.

3. É certo que tal separação tem sido vítima de várias derrogações que lhe diminuíram a clareza, não tanto pela conservação da integração institucional de ambos tipos de ensino nos casos de Aveiro e do Algarve - onde, porém, a separação substantiva entre eles foi conservada -, mas sim por dois outros aspetos: (i) os vários casos de duplicação de cursos idênticos em ambos os subsistemas (como as engenharias) e de admissão de cursos de natureza claramente politécnica em algumas universidades (como a recente integração da escola de enfermagem na Universidade de Coimbra ou do ISPA na Universidade Nova de Lisboa) e (ii) a aproximação entre os dois regimes, traduzida na admissão de doutoramentos no ensino politécnico e na admissão da sua qualificação como "universidades (politécnicas)".

Mas, a meu ver, a solução do problema não está em acabar com a distinção dos dois ensinos, permitindo a absorção do ensino politécnico pelas universidades, mas sim em preservar a autonomia subsistente, impedindo novas derrogações e, se possível, corrigindo as situações anómalas criadas. A violação pontual da fronteira entre os dois espaços do ensino superior não devia justificar a sua fusão num único espaço indiferenciado, sob a égide das universidades.