1. Segundo a edição eletrónica do Expresso de hoje, o Governo «quer facilitar [a] fusão entre universidades e politécnicos».
A ser isto verdade (desconheço o teor do projeto), trata-se de uma proposta profundamente disruptiva, que aproveita a suposta "revisão" do RJIES (Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior), que o PSD nunca tinha posto em causa, para virar de alto a baixo uma das suas opções fundamentais - que, aliás, vinha de muito antes -, que é a separação de natureza, de vocação e de estatuto entre o ensino universitário e o ensino politécnico, tanto no setor do ensino superior público como no privado.
2. Considero esta proposta um erro político grave, pelos seus previsíveis efeitos nefastos em dois aspetos: por um lado, a tendencial descaracterização do ensino universitário, passando a haver universidades "mistas", ao lado das "clássicas", que se mantenham separadas do ensino politécnico; por outro lado, a perda de expressão do ensino politécnico, pois a suposta fusão vai traduzir-se efetivamente na absorção dos politécnicos pelas universidades, que muitos daqueles, aliás, vão aceitar de bom grado, na mira de alcançar a equiparação de carreira docente, de remuneração, etc.
Neste segundo aspeto, esta reforma só é equiparável ao fim da autonomia do ensino profissional no ensino secundário, a seguir ao 25 de Abril, em nome de uma equívoca e mal compreendida igualdade social no ensino, que na verdade redundou numa grave e duradoura redução da oferta de ensino profissional. O mesmo com certeza vai suceder agora no ensino superior, quando é conhecido o défice do País em quadros profissionais qualificados.
3. É certo que tal separação tem sido vítima de várias derrogações que lhe diminuíram a clareza, não tanto pela conservação da integração institucional de ambos tipos de ensino nos casos de Aveiro e do Algarve - onde, porém, a separação substantiva entre eles foi conservada -, mas sim por dois outros aspetos: (i) os vários casos de duplicação de cursos idênticos em ambos os subsistemas (como as engenharias) e de admissão de cursos de natureza claramente politécnica em algumas universidades (como a recente integração da escola de enfermagem na Universidade de Coimbra ou do ISPA na Universidade Nova de Lisboa) e (ii) a aproximação entre os dois regimes, traduzida na admissão de doutoramentos no ensino politécnico e na admissão da sua qualificação como "universidades (politécnicas)".
Mas, a meu ver, a solução do problema não está em acabar com a distinção dos dois ensinos, permitindo a absorção do ensino politécnico pelas universidades, mas sim em preservar a autonomia subsistente, impedindo novas derrogações e, se possível, corrigindo as situações anómalas criadas. A violação pontual da fronteira entre os dois espaços do ensino superior não devia justificar a sua fusão num único espaço indiferenciado, sob a égide das universidades.