1. Vai por aí, em toda a Europa, uma onda a favor do aumento substancial da despesa militar, que começou por fixar o objetivo de 2% do PIB, mas que agora já vai em mais de 3%, o que em vários países significaria mais do duplicar o seu atual nível, como seria o caso de Portugal, passando de 3 000 milhões, por ano, para 6 400 milhões de euros!
Capitaneada pelo Secretário-geral da Nato, esta onda é vigorosamente instigada pelos países do Leste europeu e acompanhada pelos líderes da UE e do Reino Unido, especialmente depois de Trump ter anunciado o abandono pelos EUA do seu papel de escudo da defesa da Europa ocidental, que assumira, no quadro da Nato, desde o início da "guerra fria" entre o ocidente e a então União Soviética.
A principal alavanca desta corrida armamentista é uma alegada ameaça russa, que a invasão da Ucrânia teria ilustrado. Ora, para além desse inverosímil pretexto (como mostrei AQUI), os factos mostram que a Europa ocidental já dispõe de uma evidente vantagem sobre a Rússsia, não só em população e capacidade económica, mas também em poderio militar, pois como mostra a figura junta (colhida AQUI), só por si, os três maiores países europeus da Nato (Alemanha, Reino Unido e França), têm em conjunto uma despesa militar muito superior à russa (231 mil milhões de dólares contra 146 mil milhões), apesar de esta estar em guerra há três anos.
Mesmo que a tal ameaça russa tivesse algum fundamento, não se vê por que é necessário multiplicar a despesa militar ocidental para a dissuadir eficazmente.
2. No estado atual das finanças públicas dos países europeus (défice e endividamento público elevados, problemas de sustentabilidade dos sistemas de saúde e de pensões, etc.), o esforço orçamental para satisfazer uma subida da despesa militar daquela grandeza só seria possível, ou mediante uma subida da carga fiscal (já hoje muito elevada) ou, mais provavelmente, mediante um corte sério noutras despesas públicas, desde o investimento público (afetando o crescimento económico, já de si débil), passando pela ajuda internacional ao desenvolvimento (de que dependem tantos países pobres), até à despesa social, em saúde, educação, proteção social -, despesa esta que costuma ser o primeiro alvo em situações de constrangimento financeiro dos Estados.
A tese de que é possível gastar muito mais em "canhões" sem cortar na despesa em "manteiga", parece-me de todo improcedente, tanto mais que a despesa social não para de aumentar, desde logo por razões demográficas. No caso português, não se vê como é que se pode somar à despesa em defesa mais de 3 000 milhões de euros por ano, sem cortar na despesa social.
Como a experiência passada mostra, se os maiores beneficiários do aumento da despesa militar são a indústria armamentista e os países mais avançados nela, a sua vítima imediata, e a longo prazo, é o Estado social.