quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

O que o Presidente não deve fazer (53): Os limites do Presidente-comentador

1. Segundo o Diário de Notícias de hoje, ontem, pouco depois de o Ministro da Defesa ter afirmado perante a comissão parlamentar respetiva que os EUA são aliados permanentes, «independentemente do que a administração Trump disser ou fizer», Marcelo Rebelo de Sousa veio declarar aos jornalistas que «temos de perceber se a NATO é para levar a sério ou não, porque se a América tem reservas, na prática, em relação ao seu envolvimento na Ucrânia (...)já se percebeu que está difícil de convencer os aliados, ou antigos aliados norte-americanos - nunca se percebe bem, com esta nova administração -, a participarem nesse esforço de segurança [da Europa]».

Se é inaceitável em geral que o PR faça comentários públicos sobre a política de defesa, que é da exclusiva competência do Governo, é inadmissível que contrarie publicamente as posições governamentais na matéria, por mais discutíveis que sejam -, mas isso é tarefa para a oposição e para os comentadores (como eu), não para o Presidente da República.

2. Além de estatuir que é ao Governo que compete «a condução da política geral do País» - respondendo politicamente por ela apenas perante a AR - , a única obrigação que Constituição impõe ao Primeiro-Ministro é a de «informar o Presidente da República acerca dos assuntos respeitantes à condução da potica interna e externa do Páis».

Mas, além dessa estrita obrigação de informação, é comummente aceite o entendimento constitucional de que, embora não tendo responsabilidades governativas, o PR pode aconselhar o Governo, desde que o faça diretamente e de forma discreta (ou seja, nunca por intermédio de jornalistas!), para respeitar a separação de poderes e a liberdade do Primeiro-Ministro na condução da política governamental. E, indo mais além, também parece consensual a ideia de que em matéria de política de defesa e de política externa existe mesmo um dever do PM de consultar antecipadamente o PR sobre a execução dessas políticas, dados os poderes presidenciais específicos nessas duas áreas (comandante supremo das Forças Armadas, presidente do Conselho Superior de Defesa Nacional, representante externo da República, nomeação de embaixadores). Aliás, ambas estas regras fazem parte, desde há muito, da prática política normal entre São Bento e Belém.

Por conseguinte, para respeitar o quadro constitucional das suas competências, quando perguntado pelos jornalistas sobre questões dessa natureza, o PR deveria responder simplesmente o seguinte: «Como sabem, trata-se de matéria da competêmcia do Governo, sobre a qual terei certamente a oportunidade de transmitir a minha opinião ao PM, mas compreendem que não possa adiantá-la publicamente.»

Chegado ao último ano do seu mandato, será tarde para convencer Marcelo Rebelo de Sousa de que não é um comentador externo da vida política, mas, para impedir qualquer forma de "usucapião" de poderes nesta matéria, nunca é tarde para lembrar os estritos limites constitucionais dos seus limitados poderes em relação ao Governo.