sábado, 15 de fevereiro de 2025

Free & fair trade (21): Como responder à cruzada protecionista dos EUA?

1. Em mais um salto na sua escalada protecionista - depois da aplicação de tarifas punitivas ao México e ao Canadá, entretanto suspensas mas não revogadas, e de uma taxa de 25% à importação de aço e alumínio, de qualquer país -, o Presidente Trump decretou agora a aplicação de "tarifas recíprocas" às importações de todos os países. 

Ora, as regras da OMC - de que os Estados Unidos são membro fundador e a cujas normas está obrigado -, estabelecem que: (i) a pauta aduaneira de cada país, que está depositada na OMC e teve o assentimento dos outros membros, proíbe que eles apliquem tarifas acima dessa pauta; (ii) cada membro da OMC tem uma pauta aduaneira única, não podendo discriminar entre os seus parceiros comerciais (chamada "cláusula da nação mais favorecida"). 

Ao passar a aplicar tarifas de importação diferenciadas para os mesmos produtos, subindo-as até refletirem as tarifas correspondentes de cada um dos seus parceiros comerciais, os Estados Unidos, que têm tarifas em média muito baixas, rasgam descaradamente as duas referidas obrigações, com tarifas acima da sua pauta e tarifas discriminatórias

2. Obviamente, os países mais prejudicados vão ser os menos ricos, incluindo a Índia e o Brasil, que tendem a ter tarifas em média bem mais elevadas do que os EUA ou a UE.

Mas a própria União vai ser atingida, não somente na exportação daqueles produtos cujas tarifas de importação americanas são inferiores às europeias (por exemplo, os automóveis), e que, portanto, vão subir, mas também de muitos outros produtos, pois bizarramente Trump considera o IVA europeu como uma tarifa sobre as exportações americanas, quando é óbvio que os produtos importados de qualquer origem pagam na Europa o mesmo IVA que os produtos nacionais (aliás, ao abrigo da regra do "tratamento nacional" da OMC).

A aplicação deste absurdo critério pode vir a lesar profundamente muitas exportações para os Estados Unidos.

3. Há comentadores que defendem - por exemplo, Luís Aguiar-Conraria ontem no Expresso - que os países afetados, a começar pela UE, não devem retaliar com a subida das tarifas de importação dos produtos vindos dos EUA, quando elas são mais baixas do que as americanas, pois a subida de tarifas só iria prejudicar os consumidores e as empresas europeias, que passariam a pagá-los mais caras. Mas não estou de acordo, convergindo com a posição retaliatória prontamente anunciada pela Comissão Europeia.

Há três boas razões para isso: 1º - as violações graves, como estas, das regras da OMC não podem ficar impunes; 2º - se a ofensiva de Washington lesa obviamente as exportações europeias, o único modo de obrigar Trump a revogá-las é atingir na mesma medida as exportações norte-americanas (salvo nos casos em que não haja alternativa a elas); 3º - em resposta ao protecionismo de Trump, que ameaça não ficar por aqui, a UE deve aprofundar a sua política de comércio livre com outras geografias igualmente lesadas (aqui em concordância como referido autor).

O neoimperialismo económico norte-americano não pode deixar de ser combatido por quem o pode fazer. E no caso do comércio internacional, a UE pode!

Adenda
García Bercero, um insigne ex-negociador de acordos comerciais da UE e agora colaborador de um importante think tank em Bruxelas - que conheci bem, quando fui presidente da Comissão parlamentar de Comércio Internaciuonal (INTA) do Parlamento Europeu -, vem dizer o tem de ser dito: «Com os Estados Unidos, estás perdido, se mostras fraqueza». Como acompanhei as negociações do TTIP com os Estados Unidos, concordo inteiramente - e isso é especialmente verdade com Trump.

Adenda 2
A França defende que, face ao protecionismo de Washington, a alternativa comercial da UE está noutras economias como a América Latina e a Índia. Muito bem, mas depois desta declaração, espero que a França abandone a oposição que tem manifestado ao importante acordo da UE com o Mercosul, que se torna ainda mais importante para ambos os lados, depois desta ofensiva geral de Trump. Haja coerência política!