1. Merece ser lido este texto ontem publicado no Público pela magistrada aposentada do Ministério Público, Maria José Fernandes, sobre o sindicato dos seus magistrados e sobre como ele passou de uma organização de defesa de direitos e interesses laborais, como é próprio dos sindicatos, para um centro de poder hegemónico dentro da própria instituição. Mais uma vez a autora dá uma prova de coragem incomum na defesa da instituição a que dedicou a sua vida profissional.
Com o conhecimento de causa que o texto revela, ele vem ao encontro de algo que há muito tempo denuncio aqui, ou seja, a captura do governo do MP pela autogestão sindical da corporação, que constitui uma ameaça fatal à autoridade do Procurador-Geral como presidente da PGR, ao princípio da hierarquia funcional e à autonomia do Ministério Público, constitucionalmente garantida.
2. Tal como a autora, não creio que a situação seja reparável por autorreforma da conduta do sindicato. Quem tomou um poder numa instituição tão importante no nosso sistema de justiça penal (e não só) não abdica dele de motu proprio.
Reiterando as propostas que tenho feito sobre o assunto, a captura sindical do MP só pode ser desfeita por duas vias simultâneas: (i) a transferência para o PGR de poderes de que nunca deveria ter sido privado, como presidente que é da Procuradoria-Geral, como o movimento dos magistrados e a ação disciplinar; (ii) a redução da representação dos magistrados no Conselho Superior da instituição, perdendo a absurda a maioria que atualmente detêm.
Ao contrário do sindicato, que, por definição, representa interesses particulares de grupo, o PGR goza de legitimidade democrática para governar a instituição à luz do interesse público, sendo nomeado (e eventualmente destituído) pelo PR sob proposta do Primeiro-Ministro, e só ele pode responder pela atividade do MP, como é devido numa Estado de direito constitucional, quer perante quem o nomeou, quer perante a AR.
Decididamente, é altura de uma reforma do governo do Ministério Público em plena conformidade com a Constituição.