domingo, 2 de fevereiro de 2025

Stars & Stripes (18): Uma absurda guerra comercial

1. Tem razão o Financial Times, ao qualificar de «absurda» a guerra comercial aberta ontem por Trump ao subir substancialmente as tarefas de importação de bens oriundos do Canadá e do México (em 25%)  e da China (em 10% ), a pretexto de obrigar os dois primeiros países a travar a entrada de imigrantes ilegais e de fentanyl (uma droga) nos Estados Unidos, e sem nenhuma justificação para o caso da China.

Com efeito, além do absurdo da justificação - como se os governos desses países promovessem ou apoiassem tais situações e fosse fácil impedi-las, e não coubesse sobretudo aos Estados Unidos controlar as suas fronteiras -, a subida das tarifas não vai prejudicar somente as exportações dos países atingidos para o mercado estadunidense; vai também fazer subir os custos dos produtos importados desses países (combustíveis, bens alimentares, peças de automóvel, etc.), à custa dos consumidores e das empresas norte-americanas. Acresce, a inevitável retaliação desses países vai afetar também as exportações norte-americanas, de novo à custa das suas empresas e dos seus trabalhadores.

Em suma, mesmo que os Estados Unidos percam menos do que as vítimas (sobretudo o México), trata-se de uma guerra estúpida, em que todos perdem

2. Mas há outro aspeto que torna esta guerra inaceitável sob o ponto de vista do direito do comércio internacional, que é a sua flagrante ilegalidade. 

Por um lado, ela afronta as normas da Organização Mundial do Comércico (OMC), de que os Estados Unidos foram fundadores, que proíbem tanto a discriminação tarifária de terceiros países por motivos políticos, como a aplicação de tarifas acima da pauta inscrita por cada país na OMC -, como é o caso. Por poutro lado, e ainda mais grave, ela viola frontalmente a acordo de livre comércio entre os três países da América do Norte, aliás negociado e aprovado por Trump no seu primeiro mandato, que estabeleceu a liberdade de circulação de produtos entre eles, sem tarifas.

Em suma, estamos perante uma dupla ilegalidade, que infringe descaradamente os compromissos contratuais dos Estados Unidos e a "ordem económica internacional sujeita a regras" criada depois da II Grande Guerra, em grande parte por impulso dos Estados Unidos.

3. É evidente que o próximo alvo da guerra comercial de Trump vai ser a UE, que ele considera ter sido desde o início uma conspiração contra os Estados Unidos.

Sendo o mercado norte-amerticano o primeiro destino das exportações europeias, um choque tarifário de Washington vai causar muito dano à economia europeia, e não somente nos Estados-membros que mais dependem das exportações para o outro lado do Atlântico. 

Mas a UE não esta desarmada e é de esperar que a resposta a esta guerra não deixe de ser igualmente dura e que, embora seletiva nas subidas tarifárias, seja especialmente danosa nos setores que mais doem à economia americana, inclundo no acesso do investimento norte-americano na Europa.

A UE não pode falhar neste teste provocado pela agressão económica de um ex-aliado, por mais poderoso e agressivo que ele seja.