quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Praça da República (83): Contra os juízes-ministros


1.
A imagem acima constitui um excerto da entrevista do Presidente do STJ, Consº Cura Mariano, na última edição do semanário Expresso. Como já tive ocasião de dizer diretamente ao autor, por quem nutro uma elevada consideração pessoal e profissional, discordo em absoluto do exercício de cargos governativos por juízes, como sucede lamentavelmente no atual Governo, contradizendo descaradamente um compromisso eleitoral.

De facto, tenho por evidente que se trata de uma solução que afronta dois pilares incontornáveis do Estado de direito constitucional desenhado na CRP, a saber: (i) a separação de poderes entre o poder judicial (e os seus titulares, os tribunais) e poder político (e os seus titulares, PR, AR e Governo) e (ii) a independência política dos juízes, que só aquela garante. É a posição que venho denfendendo desde sempre, quer no meu ensino de Direito Constitucional, quer em declarações públicas ocasionais (por exemplo, AQUI e AQUI).

Ou seja, no meu entender - e também era esse o entendimento do anterior presidente do STJ... -, os juízes que queiram enveredar pelo exercício de cargos políticos, nomeadamente ser ministro, devem abandonar previamente a carreira judicial. Ser ministro, mantendo o estatuto de juiz, é uma contradição nos termos.

2. Não ignoro que mercê de uma recente alteração no Estatuto dos magistrados judiciais (promulgada pelo PR sem fiscalização prévia de constitucionalidade), essa acumulação é legalmente permitida. Mas ser permitida não quer dizer que seja recomendável, e não é preciso ser constitucionalista para saber que as leis não prevalecem sobre a Constituição, pelo contrário.

De resto, tal solução contrasta manifestamente sobre outras disposições legais que, em conformidade com os referidos princípios constitucionais, vedam o exercício de cargos políticos e outras atividades políticas aos juízes, nomeamente a incapacidade de candidatura à AR e a quaisquer órgãos políticos eletivos e a proibição de atividades partidárias de caráter público. Ora, se não podem ser deputados nem ter atividade partidária, como é que se entende que possam ser ministros ou secretários de Estado de governos de natureza indesmentivelmente partidária, que executam o programe eleitoral do(s) partido(s) governante(s) e que respondem pessoalmente na AR perante os partidos de oposição?
Trata-se de uma contradição legislativa demasiado grosseira - e a culpa não está nas leis que fazem valer a independência política dos juízes, mas sim naquela que a subverte.

Adenda
Um leitor pergunta se a doutrina deste meu post também se aplica aos juízes do Tribunal Constitucional. Obviamente que sim: também não podem exercer atividades políticas durante o seu mandato nem aceitar cargos políticos sem renunciarem ao mandato (como, aliás, já ocorreu). A única diferença está em que eles têm um mandato de 9 anos (não renovável), enquanto os magistrados judiciais têm uma carreira (salvo as quotas de entrada externa no STJ), a qual só termina com a aposentação, a não ser que saiam antes, por vontade própria ou por sanção disciplinar. E se os juízes do TC podem exercer atividades e cargos políticos antes e depois do seu mandato, como qualquer outro cidadão, o mesmo sucede com os demais juízes, quer antes de iniciarem a carreira (desde logo, nas lutas estudantis e nas juventudes partidárias), quer depois de a terminarem, seja antecipadamente, seja depois da aposentação (salvo se optarem pela jubilação. A ideia de que os juízes do TC gozam de algum privilégio neste ponto não tem nenhum fundamento.