De facto, tenho por evidente que se trata de uma solução que afronta dois pilares incontornáveis do Estado de direito constitucional desenhado na CRP, a saber: (i) a separação de poderes entre o poder judicial (e os seus titulares, os tribunais) e poder político (e os seus titulares, PR, AR e Governo) e (ii) a independência política dos juízes, que só aquela garante. É a posição que venho denfendendo desde sempre, quer no meu ensino de Direito Constitucional, quer em declarações públicas ocasionais (por exemplo, AQUI e AQUI).
Ou seja, no meu entender - e também era esse o entendimento do anterior presidente do STJ... -, os juízes que queiram enveredar pelo exercício de cargos políticos, nomeadamente ser ministro, devem abandonar previamente a carreira judicial. Ser ministro, mantendo o estatuto de juiz, é uma contradição nos termos.
2. Não ignoro que mercê de uma recente alteração no Estatuto dos magistrados judiciais (promulgada pelo PR sem fiscalização prévia de constitucionalidade), essa acumulação é legalmente permitida. Mas ser permitida não quer dizer que seja recomendável, e não é preciso ser constitucionalista para saber que as leis não prevalecem sobre a Constituição, pelo contrário.
De resto, tal solução contrasta manifestamente sobre outras disposições legais que, em conformidade com os referidos princípios constitucionais, vedam o exercício de cargos políticos e outras atividades políticas aos juízes, nomeamente a incapacidade de candidatura à AR e a quaisquer órgãos políticos eletivos e a proibição de atividades partidárias de caráter público. Ora, se não podem ser deputados nem ter atividade partidária, como é que se entende que possam ser ministros ou secretários de Estado de governos de natureza indesmentivelmente partidária, que executam o programe eleitoral do(s) partido(s) governante(s) e que respondem pessoalmente na AR perante os partidos de oposição?
Trata-se de uma contradição legislativa demasiado grosseira - e a culpa não está nas leis que fazem valer a independência política dos juízes, mas sim naquela que a subverte.
Adenda
Um leitor pergunta se a doutrina deste meu post também se aplica aos juízes do Tribunal Constitucional. Obviamente que sim: também não podem exercer atividades políticas durante o seu mandato nem aceitar cargos políticos sem renunciarem ao mandato (como, aliás, já ocorreu). A única diferença está em que eles têm um mandato de 9 anos (não renovável), enquanto os magistrados judiciais têm uma carreira (salvo as quotas de entrada externa no STJ), a qual só termina com a aposentação, a não ser que saiam antes, por vontade própria ou por sanção disciplinar. E se os juízes do TC podem exercer atividades e cargos políticos antes e depois do seu mandato, como qualquer outro cidadão, o mesmo sucede com os demais juízes, quer antes de iniciarem a carreira (desde logo, nas lutas estudantis e nas juventudes partidárias), quer depois de a terminarem, seja antecipadamente, seja depois da aposentação (salvo se optarem pela jubilação. A ideia de que os juízes do TC gozam de algum privilégio neste ponto não tem nenhum fundamento.