1. Compartilho da opinião do candidato presidencial Marques Mendes, quando este rejeita a advertência de Marcelo Rebelo de Sousa de que os candidatos e protocandidatos presidenciais se deviam abster de intervir publicamente durante a campanha eleitoral para as próximas eleições parlamentares, para não confundir as pessoas.
Na verdade, trata-se de duas eleições em tudo diferentes, a começar pela lógica política de cada uma delas. As eleições parlamentares visam o debate e a opção por programas e candidatos partidários ao governo do País, através das competentes medidas políticas e legislativas, incluindo a política europeia (UE) e a política internacional. Como é próprio das democracais parlamentares, nestas eleições os cidadãos votam em duas coisas ("2 em 1"): na composição da assembleia representativa e num programa e partido para o governo do País. Ao contrário, nas eleições presidenciais vota-se na personalidade mais apta para representar a República, interna e externamente, e para supervisionar o sistema de governo, assegurando «o regular funcionamento das instituições», como diz a Constituição, independentemennte de quem for Governo. Ao contrário do que sucede nos regimes presidencialistas (como nos EUA) e semipresidencialistas propriamente ditos (como na França), nas eleições presidenciais em Portugal os eleitores não são chamados a fazer opções de governo.
É por isso que entre nós, diferentemente do que sucede naqueles regimes, os candidatos presidenciais não são apresentados por partidos e que os partidos podem prescindir de apoiar qualquer candidato (como foi o caso do PS desde há várias eleições) ou até podem apoiar candidatos oriundos de fora da sua área política (como foi o caso do PSD em 1991, apoiando Soares), e que os cidadãos não se sentem vinculados a nenhuma fidelidade partidária no seu voto, em relação ao candidato apoiado pelo seu partido.
Por conseguinte, em princípio, nada impede que um candidato presidencial fale publicamente da sua candidatura na pendência de uma eleição parlamentar.
2. No entanto, tal não é assim, quando se tratar de declarações públicas que, pelo seu objeto, não forem feitas nesse registo de candidatura presidencial, mas sim num registo de programa de governo, competindo, portanto, com o discurso dos partidos políticos na disputa parlamentar. Tal é o caso, porém, do longo artigo hoje publicado no semanário Sol Nascente pelo almirante Gouveia e Melo, cuja candidatura presidencial só falta ser oficialmente apresentada, e que por isso não pode intervir como se fora ainda um comum cidadão.
A intenção do autor de intervir pessoalmente no debate das eleições parlamentares não deixa, aliás, dúvidas desde o princípio do artigo, que começa assim: «Nas próximas eleições legislativas, os temas centrais que me parecem relevantes, e que suponho para a maioria dos portugueses, são: prosperidade – preços, habitação, salários baixos; equidade – justiça, educação e saúde para todos, desigualdades sociais, imigração; segurança – ameaças internas e externas; e liberdade – crescimento da intolerância». E segue-se depois um longo programa de ação política, desde a esfera internacional ao ambiente, onde não falta nenhum tema atual, como a defesa, a economia ou a habitação, e onde abundam noções típicas dos programas de governo, como "plano de ação", "apostar", "desafio", etc.
Ora, numa campanha eleitoral para as eleições parlamentares, não é pelo menos apropriado ver quase-candidatos presidenciais a apresentar programas de governo, em disputa com os partidos, como se fossem candidatos a Primeiro-Ministro.
3. Obviamente, não contesto aos candidatos presidenciais o direito de tornarem conhecida a sua visão do País e a sua perspetiva para o seu futuro, bem como os valores que vão orientar a sua ação pública como supremos magistrados da República, na defesa e promoção dos grandes princípios constitucionais: dignidade humana, liberdade, igualdade e solidariedade; democracia liberal, Estado de direito e descentralização territorial; Estado social, desenvolvimento sustentável e economia social de mercado; integração europeia, comunidade lusófona e ordem internacional sujeita a regras, etc.
Mas é evidente que não é disso que trata o texto em causa, que deliberadamente expõe programadamente os objetivos de governação para o País, para «não termos de ser pobres», como diz o seu título. Sem nenhuma dúvida o digo: isso é matéria para os Governos, não para o PR.
O que penso que os cidadãos querem dos candidatos presidenciais não é saber o que fariam se fossem Governo, mas sim como vão exercer os seus poderes constitucionais, sobretudo os mais intrusivos na esfera da AR e do Governo - como o veto legislativo, a dissolução parlamentar, o uso da palavra presidencial -, e à luz de que valores. Convém que os candidatos sejam tão claros quanto possível a esse respeito.