1. Concordo com a antiga deputada da Assembleia Constituinte de 1975-76, Helena Roseta, quando defende que entre os fatores que tornaram possível que a CRP de 1976 tenha vencido o teste do tempo e esteja nas vésperas de comemorar os 50 anos - quando todas as anteriores constituições portuguesas com origem democrática (1822, 1838, 1911) o tinham perdido - esteve o empenhamento convicto dos deputados constituintes, entre os quais ambos nos contámos, na sua elaboração.
Mas o nosso esforço teria sido provavelmente em vão, se não tivéssemos beneficiado do tempo e das circunstâncias da revolução do 25 de Abril que lhe deu origem, nomeadamente a vastíssima adesão popular ao fim da ditadura e da guerra colonial, a firmeza do Movimento das Forças Armadas (MFA) na sua defesa contra recuos ou desvios, a fruição espontânea das liberdades civis e políticas (liberdade de expressão, de reunião e manifestação, de criação de sindicatos e de partidos políticos) antes de qualquer lei a consagrá-los, a elevação dos principais líderes partidários (Mário Soares, Sá Carneiro, Álvaro Cunhal e Freitas do Amaral) e outros responsáveis políticos (como Costa Gomes e Melo Antunes) no vivíssimo confronto político que se seguiu, a pronta convocação das eleições para a Assembleia Constituinte por sufrágio universal (sem precedente entre nós) e a extraordinária participação dos cidadãos nelas, conferindo aos deputados constituintes uma legitimidade e um mandato democrático sem paralelo na nossa história constitucional.
Há conjunturas felizes assim na história dos povos e das nações!
2. Também tem razão Helena Roseta quando lembra que os vigorosos debates políticos na Constituinte eram, por vezes, verbalmente violentos, mas sem pôr em causa o respeito pessoal entre os intervenientes, citando o caso dos meus confrontos com o então seu marido, o deputado Pedro Roseta.
Confirmo! Tendo eu sido um dos deputados mais ativos na Constituinte, como porta-voz do PCP, e tendo travado dos mais aguerridos debates políticos, por vezes excessivos, com a bancada do então PPD, não só não me incompatibilizei com ningém, como, pelo contrário, ganhei respeito, e mesmo amizade, com muitos deles, sentimentos que perduraram depois, quer no convívio parlamentar na AR, quer pela vida fora, como foi o caso da própria Helena Roseta, com quem haveria de conviver vinte anos depois na bancada parlamentar do PS, ambos como deputados independentes.
Como já tive oportunidade de afirmar, julgo que para esse "clima" pessoalmente respeitoso pesou não somente a memória das lides da oposição democrática contra a ditadura, que era comum a muitos deputados de várias bancadas, mas também as redes de conhecimento académico, quer entre antigos condiscípulos, quer entre docentes universitários (sobretudo nas faculdades de direito de Coimbra e de Lisboa). Mas estou de acordo, mais uma vez, com Helena Roseta, quando ela destaca a convicção compartilhada por todos, de que estávamos a criar história, «com a consciência de que está[vamos] a construir o futuro», e que não podíamos repetir o falhanço das anteriores gerações de constituintes, cuja obra não perdurou, pois a sua vigência variou entre menos de um ano (a Constituição de 1822), cerca de quatro nos (a de 1838) e menos de 15 anos (a de 1911).
E o futuro deu-nos razão!