Numa operação de desvio de atenções, o Observador de hoje dedica uma longa peça à questão de saber se a Spinumviva incorreu no crime de "procuradoria ilícita", por ter alegadamente prestado serviços que são exclusivos dos advogados.
Ora, além de essa questão me parecer irrelevante - visto que a consultoria deixou de ser (e bem!) reserva de advogado com o novo estatuto legal da OA -, ela tenta obnubilar as duas questões que importam desde o início, e em cujo esclarecimento tenho insistido (AQUI): (i) se, ao manter a SUA empresa pessoal (embora travestida de "sociedade familiar"), os SEUS clientes e as SUAS "avenças", Montenegro não infringiu a crucial regra da exclusividade do cargo governativo (que, em relação a outros titulares de cargos públicos, levaria à destituição por via judicial); e (ii), no caso de tais "avenças" serem essencialmente fictícias, sem correspondência em serviços efetivos, sendo, portanto, pagamentos de favor, ou no caso de imputação à empresa de despesas pessoais ou domésticas, se Montenegro não incorreu no crime de "recebimento indevido de vantagem", ao beneficiar, direta ou indiretamente, das generosas transferências de milhares de euros mensais ou da exoneração das referidas despesas.
Espero que o inquérito parlamentar promovido pelo PS se foque essencialmente no esclarecimento dessas questões, sem desvios para temas irrelevantes ou secundários, desde logo para pôr fim a especulações: se apurada qualquer dessas infrações, Montenegro tem os dias contados.
[revisto]
Adenda
Um leitor entende que há outra questão importante, que é de saber se Montenegro declarou «todo o seu património, sem excluir as contas bancárias à ordem, desde que de valor superior a 50 SMN no seu conjunto», como impõe a lei. Sim, essa questão foi suscitada pela notícia de um jornal, segundo a qual, Montenegro terá utilizado várias contas à ordem de valor inferior àquele montante no pagamento de um apartamento em Lisboa, na suposição de que estariam isentas de declaração -, o que não é verdade. Seguramente que essa questão também pode vir a ser apurada no inquérito parlamentar. Entretanto, sobre este assunto, o presidente da AR, Aguiar-Branco, é citado como tendo dito que Montenegro «declarou tudo o que tinha a declarar», o que é um estranho comentário, pois, se ele pode eventualmente conhecer o que está na declaração, como é que sabe, salvo por uma questão de fé, que lá está tudo o que tinha de estar, e que nada foi omitido? Como pode o Presidente da AR, que não é qualquer pessoa, ser tão precipitado, por razões de solidariedade política e pessoal?