sexta-feira, 4 de abril de 2025

Free & fair trade (22): USexit

1. Com a substancial subida unilateral generalizada das tarifas de importação, ontem anunciada por  Trump, violando flagrantemente as suas obrigações perante a OMC e perante os parceiros comerciais com quem tem acordos preferenciais, como o Canadá e o México (aliás assinados pelo próprio Trump no seu 1º mandato), os EUA fazem uma declaração de guerra ao sistema económico internacional, com inevitáveis reflexos na situação económica de muitos países.

É evidente que, sendo impostos sobre as importações, o aumento das tarifas vai, antes de mais, afetar os consumidores e a própria economia norte-americana, por causa da subida dos preços dos produtos importados. Mas, uma vez que o mercado norte-americano é destino importante para as exportações de muitos países, esta subida dos preços dos produtos atingidos vai reduzir a sua importação e afetar a economia dos países exportadores. Além disso, o protecionismo de Washington pode levar grandes empresas estrangeiras a mudar a sua produção para os Estados Unidos (objetivo declarado de Trump), reduzindo o investimento e a criação de emprego nos respetivos países. 

Com este ataque selvagem, em nome da "independência económica", os EUA saem efetivamente do sistema internacional de comércio regulado que ajudaram a edificar, desde o GATT (Acordo Geral de Taxas Aduaneiras e de Comércio) de 1947, e depois a profundar, desde a criação da Organização Mundial de Comércio (OMC), em 1995. É o fim inesperado de uma era de progressiva liberalização das trocas internacionais e da prosperidade que ela trouxe aos países que nela se empenharam.

2. Embora não podendo responder na mesma moeda, as demais potências comerciais vítimas deste ataque desleal de Washington, a começar pela UE, não podem deixar de retaliar seletivamente contra as importações norte-americanas, lá onde pode doer mais (incluindo a tributação de serviços tecnológicos, maciçamente importados dos EUA) e onde afete menos as empresas e os consumidores europeus. Ataques desleais destes não podem ficar impunes.

Porém, acima de tudo, a UE deve aproveitar esta saída dos EUA do sistema de comércio mundial, para se assumir como líder do sistema comercial internacional regulado sob a égide da OMC (por sinal, sediada na Europa) e para avançar na busca de novos parcerias comerciais por esse mundo fora, começando pela ratificação de acordos comerciais já concluídos (nomeadamente com o Mercosul) e na conclusão de outros com grandes economias dinâmicas, como a Índia e a Indonésia. 

Como única grande potência comercial confiável e fiel ao mandato da OMC, só a UE pode preencher o vazio deixado pelo lamentável exit de cena dos EUA.

Adenda
O vice-presidente sombra, Elon Musk, veio sugerir um acordo de comércio livre entre os EUA e a Europa. Mas era esse o objetivo das negociações do TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership), que foi metido na gaveta por Trump logo no início do seu primeiro mandato, não somente por razões protecionistas, mas também por ódio à UE, que ele considera ser uma conspiração contra os EUA.