1. Segundo o Procurador-Geral da República, nesta entrevista, «Sócrates tem todo o direito de provar [no seu julgamento] a sua inocência».
Infelizmente, não se trata de um lapsus linguae, mas de uma genuína expressão da cultura penal que prevalece no Ministério Público quando se trata de acusar políticos, segundo a qual, feita a acusação, é aos próprios arguidos que incumbe provar a sua inocência, assim invertendo o "ónus de prova" e negando o princípio constitucional da presunção de inocência - e o seu corolário, o princípio in dubio pro reo, ou seja, absolvição em caso de dúvida razoável -, que é uma das grandes heranças da revolução constitucional contra o Antigo Regime e o "princípio inquisitorial", tornando-se um esteio essencial do Estado de direito em matéria penal.
2. É evidente que no "tribunal" da opinião pública, com a prestimosa colaboração do Ministério Público (lembremos o espetáculo montado para a sua detenção ao regressar a Lisboa), o antigo Primeiro-Ministro já foi condenado, sem apelo nem agravo, há muito tempo, desde o início deste arrastado processo (aliás, em notória violação do direito a julgamento em prazo razoável).
Mas no tribunal da República que o vai julgar, ainda é ao Ministério Público que incumbe a obrigação de provar devidamente a sua acusação, e não inverso.