1. Para excluir à partida o voto de qualquer cidadão minimamente sensato no líder do Chega nas eleições presidenciais - a que acabou por candidatar-se, alegadamente a contragosto - não é preciso sequer invocar as suas ideias caraterizadamente nacionalistas e reacionárias, nem o seu desprezo pelas instituições e pelo regime democrático-constitucional, nem o seu estilo arrogante, mentiroso, sectário e provocador.
Na verdade, basta, em primeiro lugar, o facto de se candidatar à presidência enquanto líder partidário, sem sequer suspender o seu mandato - ao arrepio da natureza apartidária das candidaturas presidenciais e da magistratura presidencial (como tenho sublinhado, por exemplo AQUI e AQUI ) - e, em segundo lugar, a sua conceção autoritária do mandato presidencial, à margem da Constituição, com manifesto desprezo da separação de poderes e da autonomia do Governo na condução da política nacional, como tem sido observado (por exemplo, AQUI).
2. Sem excluir de todo em todo a hipótese de ele poder chegar à 2ª volta, dada a multiplicidade de candidaturas - nenhuma delas com destacado ascendente à partida -, não creio que haja sério risco de ele vir a ser eleito.
Com efeito, não se afigura provável que ele pudesse ir muito além do eleitorado do Chega, dada a sua elevada taxa de rejeição pessoal no restante eleitorado, sendo de esperar que, naquela hipótese, houvesse concentração de votos no outro candidato que chegasse à 2ª volta, qualquer que ele fosse, como sucedeu em França em 2002 na eleição de Chirac contra Le Pen.
Na verdade, embora o PR não tenha em Portugal os poderes do Presidente francês, nada garante (pelo contrário!) que ele respeitasse os limites constitucionais, o que seria tanto mais grave quanto é certo que entre nós o PR não é politicamente responsável no exercício do seu mandato, por mais arbitrário que seja o seu desempenho, nem os seus atos são suscetíveis de fiscalização judicial, por mais atentatórios da Constituição que sejam, pelo que ele constituiria um gravíssimo perigo para o regime democrático-constitucional.
3. A CRP pressupõe um Presidente naturalmente disposto a respeitar, por convicção e responsabilidade republicana, a Constituição e os limites dos seus poderes, sem necessidade de garantias, não tendo os constituintes de 1976 configurado a hipótese de um inquilino de Belém nos antípodas desse modelo.
Sendo evidente, porém, o propósito explícito de chefe do Chega de estoirar com o sistema constitucional, o que faria aplicadamente se lá entrasse, constitui obrigação de todas as forças políticas do "arco constitucional" e de todos os cidadãos que se identificam com elas de fechar bem a porta à sua voracidade destrutiva.