segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Concordo (25): Perda de nacionalidade no TC, obviamente


1. Concordo inteiramente com esta opinião do Prof. Jorge Miranda sobre a necessidade de sujeitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade a perda de nacionalidade de cidadãos naturalizados, como sanção adicional por crimes graves, recentemente aprovada na AR, por estranha convergência política entre o PSD e o Chega.

Na verdade, tal como também já escrevi sobre esta questão (AQUI), entre nós, o direito à nacionalidade goza de proteção constitucional, como um dos "direitos, liberdades e garantias pessoais" (art. 26º, nº 1 da CRP), ao mesmo título que o direito à identidade e à capacidade civil, entre outros. E, embora a Constituição não exclua em termos absolutos a privação da nacionalidade (nº 4 desse preceito), ela só poderá ter lugar nos termos constitucionais, ou seja, quando respeitados os princípios da necessidade e da proporcionalidade na restrição de tais direitos (art. 18º), bem como o princípio constitucional da igualdade e não discriminação (art. 13º). 

2. Ora, quanto ao primeiro aspeto, como a nacionalidade é um direito que é pressuposto de muitos outros direitos, a privação de nacionalidade é uma sanção extremamente grave, em que a vítima passa à situação de estrangeiro, perdendo os direitos de cidadão nacional e de cidadão da União Europeia, desde os direitos civis aos direitos políticos, e podendo ser expulso e extraditado do País, sendo afastado do seu trabalho, da sua família e das suas relações. Sem exagero, é uma pena de morte civil e política, pelo que não surpreende que nunca tenha sido inscrita no Código Penal e que até agora a nacionalidade só pudesse perder-se por renúncia, e só admitida no caso de pessoas com outra nacionalidade.

Por isso, além de não poder ter fundamento em motivos políticos, como impõe a Constituição, uma pena dessa gravidade superlativa só deve ser equacionada quando tal seja requerido pela proteção de um valor constitucional superior (por exemplo, crime de traição à pátria), e nunca como instrumento oportunista de política penal. Ora, no caso concreto, além da manifesta motivação política contra imigrantes, não existe nenhum eminente valor constitucional que justifique tal pena.

3. Além disso, ao abrigo do crucial princípio constitucional da igualdade, os cidadãos nacionais são todos iguais, independentemente do modo de aquisição da nacionalidade, pelo que a origem da nacionalidade não pode sequer constar do cartão de cidadão. A única exceção é o cargo de Presidente da República, que só está aberto a cidadãos nacionais de origem, mas não é preciso ser estudante de direito para saber que, por definição, as normas excecionais só valem para os casos nelas contemplados. 

Por isso, é inadmissível a discriminação dos cidadãos em matéria penal, como no Antigo regime pré-constitucional, como sucede neste regime de aplicação daquela pena a uma certa categoria de cidadãos, especificamente os cidadãos naturalizados, só por o serem. Sucede, aliás, que, tratando-se em geral de cidadãos residentes no país, eles são, por via de regra, muito mais identificados com a comunidade nacional do que muitos cidadãos de origem nascidos e residentes desde sempre no estrangeiro.

A privação da nacionalidade não pode ser um instrumento discriminatório de revisão retroativa da aquisição de nacionalidade, que só pode ser definitiva e irreversível.