quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Eleições presidenciais 2026 (22): Uma ideia que faz sentido

1. Na entrevista de hoje do candidato presidencial Jorge Pinto, oriundo do Livre, na RTP (jornalista Vítor Gonçalves), houve duas novidades quanto a possíveis iniciativas do PR - uma que deve ser rejeitada liminarmente e outra que merece séria reflexão.

A primeira é a ideia de o PR convocar "assembleias de cidadãos" para debater e propor medidas sobre temas políticos concretos, à imagem do que tem sido feito noutros países, como forma sofisticada de democracia participativa. Trata-se de conselhos de cidadãos ad hoc, em geral formados por 20 a 30 pessoas tiradas à sorte do recenseamento eleitoral, segundo certos critérios que assegurem uma microrrepresentação sociológica da coletividade (equilíbrio de género, geracional, de população urbana e rural, etc.), convocadas para organizarem um debate entre si sobre questões concretas, ouvindo especialistas no tema, para, no final, apresentarem ao parlamento e ao governo um relatório fundamentado sobre o assunto, normalmente adotado por consenso, incluindo propostas ou recomendações políticas ou legislativas de solução. 

Basta esta definição para verificar que uma tal iniciativa está claramente fora da competência presidencial entre nós, primeiro, porque não consta do enunciado constitucional dos seus poderes e, segundo, porque, entre nós, o Presidente não compartilha nem da função legislativa (que cabe essencialmente à AR) nem da direção da política geral do País (que cabe ao Governo). O facto de em França uma iniciativa dessas ter partido do Presidente Macron é irrelevante em Portugal, pois naquele País é o Presidente que, em condições normais, dirige o governo. Não comparemos o que é incomparável.

2. Em contrapartida, merece reflexão a ideia de o Presidente, como guardião de último recurso das instituições constitucionais, poder decretar a dissolução parlamentar e a convocação de novas eleições para a AR, na hipótese de estar iminente a aprovação de uma revisão constitucional que atentase contra o "núcleo duro" da ordem republicana e democrática da CRP - hipótese que, embora improvável, merece ser equacionada. 

Na verdade, a Constituição proíbe a revisão das soluções que consubstanciam a própria identidade constitucional, que constam do art. 288º da CRP, e que vão desde a independência nacional e a unidade do Estado até à autonomia político-administrativa dos Açores e da Madeira. Contudo, em qualquer caso, o PR não pode vetar as leis de revisão (expressamente proibido no art. 286, nº 3) e, embora a fiscalização preventiva da conformidade constitucional das leis de revisão não esteja explicitamente excluída, há quem o defenda, por ela só estar prevista para convenções internacioais e atos legislativos.

Nesse quadro, na iminência de uma revisão gravemente inconstitucional, por desrespeito do art. 288º, a única solução disponível poderia a ser a dissolução parlamentar antes da aprovação da lei de revisão. Mesmo para quem defende uma visão restritiva da dissolução parlamentar, como é a minha, essa hipótese de o PR recorrer a ela, como meio de salvaguarda do regular funcionamento das instituições e de defesa em última instância da Constituição, é perfeitamente cabível, a título de «situação política excecional que torne imperiosa a renovação da legitimidade parlamentar» (como digo na competente sugestão de revisão constitucional constante do meu recente livro sobre o Presidente da República). 

A eventual dissolução num caso desses transformaria as subsequentes eleições numa espécie de referendo de rejeição da revisão constitucional interrompida.