quarta-feira, 22 de setembro de 2004

Direito de voto

«Na disputa democrática que mais interessa ao mundo [as eleições presidenciais norte-americanas], o mundo não tem direito de voto». («In the democratic contest that matters most to the world, the world is disenfranchised.»)

Perguntas nocentes

Depois da triste figura no programa "Prós e contras" de 2ª feira na RTP 1, o que é que levou Maria do Carmo Seabra a pensar que poderia ser ministra da Educação?
Depois da triste figura na conferência de imprensa de ontem, a anunciar, dois longos meses passados sobre a tomada de posse, a imprestabilidade do sistema informático para a colocação de professores contratado pelo seu ministério a uma empresa "amiga", o que é que leva Maria do Carmo Seabra a pensar que pode manter-se como ministra da Educação?

terça-feira, 21 de setembro de 2004

Reforma e regulação da saúde



Não podia ser mais oportuna a "presidência aberta" que Jorge Sampaio dedica esta semana às questões da saúde. O programa da iniciativa, que foi publicado hoje na imprensa, inclui a participação do Presidente num colóquio sobre Reforma e Regulação da Saúde -- pelo qual sou o principal responsável --, que tem lugar na 6ª feira em Coimbra, na Faculdade de Direito, e em que participarão também o Ministro da Saúde, o Presidente da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) e muitos especialistas naqueles temas.
Vai ser seguramente uma excelente oportunidade para fazer o ponto da situação e proceder à avaliação das reformas em curso e dos mecanismos de regulação previstos. O programa (e a ficha de inscrição) podem encontrar-se aqui.

Faz sentido a Comissão Nacional de Eleições?

Na minha coluna semanal no Público de hoje condeno a proposta de extinção da Comissão Nacional de Eleições, feita pelo líder regional da Madeira e secundada pelo presidente do Grupo Parlamentar do PSD na Assembleia da República. O texto encontra-se também reproduzido no Aba da Causa (link na coluna da direita).

Quem domina a imprensa?

Na sua coluna de hoje no Diário de Notícias -- cujo website se encontra de novo operacional -- Pedro Mexia analisa o panorama político-ideológico nos principais jornais portugueses (com a notória ausência do Jornal de Notícias), tendo em conta especialmente a orientação de editorialistas e colunistas. Vinda de uma pessoa de direita, é uma análise relativamente equilibrada, que contesta a ideia propalada pela direita sobre uma pretensa hegemonia da esquerda nos media (a ter em conta o quadro apresentado por AM, o que se poderia dizer é o contrário...). Só é pena que ele integre à força em partidos políticos alguns colunistas (de esquerda) que não têm nenhuma vinculação ou alinhamento partidário há muitos anos (como é o meu caso).
Uma observação a reter:
«(...) Os colunistas de esquerda assumem-se como tal, mesmo que a esquerda não reconheça todos como «seus». Já os colunistas de direita raramente se assumem. Uma confusão.»

De que estão à espera?

De que está a oposição à espera para:
a) Exigir um inquérito público e transparente sobre o negócio da escolha da empresa que elaborou o programa informático (?) para a colocação de professores (cujos contornos suspeitos já aqui foram referidos por Luís Nazaré)?
b) Desencadear na AR uma interpelação parlamentar ou mesmo uma moção de censura sobre a inenarrável incompetência e irresponsabilidade governamental nesta questão?
Será que a oposição quer tornar-se cúmplice, por inércia, desta endrómina sem paralelo nos anais democráticos?

Quase perfeitos

Este grupo de rapazes anda numa espécie de sotão do nosso condomínio virtual, a remexer em paixões e discos brilhantes, enquanto o resto de nós ouve os O-zone. Andam tão incógnitos, tão entretidos, assim como quem não quer a coisa, às escondidas, do género buga-lá-que-ninguém-vai-dar-conta - que não deixam ninguém aperceber-se de que são o melhor sítio para ler sobre música. E não me refiro só ao espaço electrónico.
Entretanto, parece que a revista 365 lhes deu (em boa hora) um espaço para arrumar mais álbuns de antologia. Mas deixemo-nos de tretas. Não me parece que existam assim tantas urgências na blogoesfera - mas, seguramente, descobrir e acompanhar o blog destes melómanos humanistas, irónicos, sinceros e cultos, tem de ser uma!

A propósito, a primeira vez que ouvi Leonard Cohen tinha 10 anos. Foi, de repente, na rádio - e tinha acabado de levar um estaladão do meu pai. Foi a primeira vez que me soube bem o gosto das lágrimas.

O que é que o Rui faz, exactamente, quando não está a falar da minha vida?

Pedra mármore

Não que ela não lhe agradasse, não era nada disso; pelo contrário. Sucedia que ele não conseguia gostar. De ninguém, nem mesmo dela. Era um impotente dos afectos. O ínfimo defeito que ela tinha era não ser lindíssima, mas isso era irrelevante. Era como se ele tivesse um muro pela frente, ou uma parede, a centímetros da cara. Uma espessa impossibilidade vertical. Tinha medo, um medo muito por dentro e até acima; um medo crescente de ficar preso atrás desse muro - não para sempre, claro, mas o suficiente para que alguém especial lhe passasse ao lado. Alguém como ela, justamente. Durante algum tempo alimentou a ideia de que era assim, com efeito, mas com as relações novas. Que com as velhas, as vindas de trás, não seria assim. Enganou-se. Era assim com todas. Percebeu que não conseguia desejar ninguém que o desejasse; percebeu - e percebeu porquê - se interessava apenas por casos impossíveis: por serem impossíveis e porque só o impossível o redimiria, o resgataria. O medo transformou-se, então sim, em pavor de ficar só, de ficar sozinho nessa sabedoria silenciosa e fria. Como pedra mármore.

Rui Branco

Puto Paradoxo rules!

Finalmente, os Deuses sejam louvados!, alguém que recupera a memória da Família Prudêncio! Bem-hajam, putos. Acordai, blogolândia, acordai!

Darfur, Sudão


Impressionante este relato de Ana Gomes no Expresso online sobre a sua viagem ao Sudão, integrada numa delegação do Parlamento Europeu.
Um excerto:
«Falar de genocídio sem agir em consequência banaliza e desvaloriza perigosamente o conceito. E, depois do Ruanda, é ainda mais imoral e indefensável. Não pressionar e sancionar duramente Cartum, a pretexto de que se podem fechar as portas ao acesso humanitário ou acelerar a «somalização»/«congolização» do Sudão, é incentivar Cartum a jogar este teatro de sombras, para continuar a dizimar os darfurianos e a oprimir todos os sudaneses.»

Um coronel de cavalaria faria melhor

Afinal as listas da colocação de professores não foram publicadas ontem, 2ª feira, como tinha sido repetidamente garantido pelo Ministério da Educação, defraudando mais uma vez as expectativas dos interessados, das escolas, dos alunos e dos pais. Mas um falhanço incomensurável, que lança no maior ridículo público a equipa ministerial. Face à inaudita prova de incapacidade e incompetência, a única saída para a situação consiste em declarar o Ministério da Educação em estado de sítio e nomear uma administração militar para esse departamento governamental...

«Um País, três sistemas» !

Em mais uma das suas geniais elocubrações políticas, A. João Jardim propõe a ideia de "um país, três sistemas políticos", um para o Continente e outro para cada uma das regiões autónomas, copiando a solução dos comunistas chineses para integrar o sistema capitalista de Hong-Kong e Macau na República Popular da China ("Um país, dois sistemas").
Acho pouco: o melhor é haver mesmo três países, que torna tudo muito mais simples. Entretanto, enquanto não se chegar aí, proponho que a idea fulgurante dos "três sistemas" comece por criar sistemas fiscais e financeiros separados, em que a Madeira viva com os seus próprios meios (já que é a segunda região mais rica do País), sem continuar a viver à custa dos contribuintes do continente, muitos deles vivendo em regiões mais pobres do que a Madeira...

segunda-feira, 20 de setembro de 2004

Silva Lopes

A entrevista de Silva Lopes ao Público constitui um daqueles momentos gratificantes em que um economista sénior diz tudo o que lhe vai na alma sobre o que corre mal neste País. Não é lícito ficar indiferente. Alguns excertos (sublinhados acrescentados):

«Há muito investimento que é desperdício. Já não quero falar da estafada questão dos estádios, mas há, por exemplo, no centro do país, três grandes hospitais à distância de 40 km uns dos outros apenas porque cada cidade queria o seu hospital.»

«É também bom que o Governo tenha abandonado a ideia do choque fiscal e esteja a colocar a ênfase no IRS. (...) Os PPR não contribuem nada para a poupança nacional. Só servem para desviar as poupanças de umas aplicações para outras, para as que dão benefícios fiscais.»

«(...) Em sectores formalmente liberalizados, como as telecomunicações, não há verdadeira concorrência. Os reguladores parecem estar mais interessados na saúde das empresas do que nos interesses dos consumidores. É por isso que costumo dizer que o poder económico domina o poder político».

«Nós gastamos 15 por cento da riqueza nacional para pagar os salários da administração pública quando a média europeia é 10,4 por cento. É cinquenta por cento mais e temos dos piores serviços públicos. Por outro lado, para qualificações iguais os funcionários públicos ganham bastante mais do que os do sector privado. Aí uns 20 por cento a mais e ainda beneficiam de duas coisas muito importantes: um sistema de pensões muito mais favorável e que, no meu entender, tem de ser revisto, e segurança no emprego. São privilégios que, do ponto de vista da justiça social, são inaceitáveis. (...) O país não pode suportar gastar 15 por cento da sua riqueza para ter maus serviços e suportar privilégios relativos quando não tem os serviços correspondentes.»

«Nós já gastamos com a educação mais do que a média da OCDE. Temos 30 por cento de professores a mais em relação à média e as turmas mais pequenas dos 27 países comparados. Temos o menor número de aulas para os alunos e as menores cargas horárias para os professores. Por fim, sobretudo no fim da carreira, temos alguns dos professores primários mais bem pagos da Europa. (...) Por fim, ainda se andam a formar mais professores quando não há lugar para eles, gasta-se o dinheiro todo com salários e não se compram computadores. É um desastre completo. (...)»

Privilégios fiscais à socapa

No Jumento pode ler-se:
«(...) Neste serviço de finanças [do Terreiro do Paço] o ambiente é tranquilo, não há filas, não há gritaria, o ar condicionado proporciona um ambiente acolhedor, os contribuintes têm sofá para se sentarem e onde serão atendidos. Neste serviço de finanças a lei está sempre aberta a uma interpretação que vá de encontro aos anseios do contribuinte. E os "funcionários" que lá trabalham não são sujeitos à ameaça de investigações nem estão muito preocupados em saber se vão ter aumentos de vencimento.
Mas é mesmo verdade, e volta e meia sabe-se qualquer coisa como sucedeu ainda recentemente, quando o Jornal de Negócios informou que o BPI tinha beneficiado de um benefício fiscal de 20.000.000 de euros concedido naquele serviço de finanças, e nessa ocasião O Jumento abordou esta questão. Uns tempos antes, o mesmo serviço tinha perdoado os comentadores políticos de pagar parte dos IRS sobre os honorários que lhes são pagos pelas televisões e jornais com base num despacho de um director-geral que está para o direito fiscal como um queda de cabeça está para um exercício de paralelas assimétricas.
E em ambos os casos a capacidade dos jornalistas investigarem os assuntos terminou onde o sigilo fiscal (sempre o oportuno sigilo fiscal) impôs o silêncio; os felizes contribuintes obtiveram os benefícios fiscais, os processos foram para arquivos inacessíveis e ponto final. (...)»


O que este relato revela é gravíssimo, tal como a outra história também aí descrita (vale a pena ler o resto do post). Esta situação de privilégios esconsos não pode continuar.

A banca não gostou

Como era de prever, os bancos não gostaram nada das propostas fiscais anunciadas pel Ministro das Finanças. Resta saber se se vão ficar pelas queixas públicas...

Corto Maltese



Já antes declarei aqui o meu fascínio por Corto Maltese, o meu herói de banda desenhada predilecto. Compreenderão por isso a minha satisfação pela iniciativa do Público de editar, a partir de hoje, todas as 2ªs feiras, as aventuras do marinheiro maltês. Cá estarei para proceder a uma bem-vinda revisitação do herói de Hugo Pratt.

O mais original e corrosivo ...

... comentário político nacional está nos bonecos do Bartoon, de Luís Afonso, no Público. Imperdível o "cartoon" de hoje!

Lastimável...

... a condescendência de Mota Amaral em relação à ausência do Primeiro-Ministro numa interpelação parlamentar da oposição. O Presidente da AR é suposto dever colocar as regras da democracia parlamentar, bem como os direitos da oposição e a consideração devida pelo Governo à AR, acima da solidariedade partidária...

Pagamento dos cuidados de saúde pelos utentes?

Artigo de hoje do ex-Ministro da Saúde do PS, António Correia de Campos, no Público, contra o princípio do utilizador-pagador na saúde e pela revisão do regime das taxas moderadoras. A ler, sem falta.

Populismo anti-parlamentar

No seu blogue República Digital, o deputado José Magalhães, que já foi secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares num Governo de António Gutrres, condenou também a ausência do Primeiro-Ministro numa interpelação da oposição (que foi abordado neste post meu). Cumpre registar aqui os principais excertos:
«(...) O populismo santanista sabe bem que ferir regras de democracia parlamentar tem escassa penalização. O silêncio dos media reflecte uma doença mais funda. Santana ousa ficar santamente em casa porque não receia censura social e conta com a indiferença da comunicação social. "Por que há-de o PM ter que ir ao Parlamento de cada vez que um pequeno partido interpela o Governo" - eis a vulgata de "senso comum" que "justifica" o à vontade governamental. E daqui se passa sem dor à ideia seguinte: " e se for um grande partido a incomodar o Governo, tirando-o do suor e produtividade do gabinete, por que há-de o PM de ter de ir a correr para o hemiciclo?!". Insidiosamente, instila-se a ideia velha e perigosa de que "ir ao Parlamento" é roubar tempo precioso à boa governação, o que tem como pressuposto que a dita só pode ser boa sem perturbação pela inutilidade de parlamentar com a oposição.
(...) Santana (...) acha bom o momento para fazer uma ruptura. E fê-la, sem que no interior da coligação isso gerasse reacção (vi alguns dirigentes da bancada do PSD incomodados, mas nada disseram). Quando ergui a voz contra isso e contra o facto de o Governo ter enviado um grupo de secretários de Estado para replicar à interpelação, ouvi do nóvel Ministro Gomes da Silva uma piada chocarreira insinuando que eu mesmo, enquanto Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, nunca tinha feito o mesmo (representar o Governo numa interpelação temática) por não ter tal confiança do então PM, Guterres. É uma falsificação grotesca: sempre compareci a todas as interpelações, mas sem substituir o PM e os ministros visados, que nunca fugiram à fiscalização parlamentar.
(...) O PS não pactuou com esta ruptura e tratou a desconsideração dos direitos do BE como atingindo todas as bancadas e a própria AR. Insistimos para que o Presidente da AR se demarcasse desta deriva. Não conseguimos, o que significa que a resistência institucional ao populismo antiparlamentar vive uma hora negra. Mas das "causas-nossas" é uma das nobres e indeclináveis.»

Olhe que é feio mentir, senhor ministro!

Perguntado sobre as declarações do Secretário-Geral da ONU acerca da ilegalidade da guerra no Iraque, o embaixador António Monteiro, actual ministro dos Negócios Estrangeiros, declarou que Annan não tinha qualificado de ilegal a guerra, tendo somente manifestado uma «preferência» por uma segunda deliberação no Conselho de Segurança.
Mas o que Annan disse, com todas as letras, foi precisamente que a guerra foi ilegal, justamente por não ter sido autorizada pelo CS. «Do nosso ponto de vista e do ponto de vista da carta da ONU, [a guerra] foi ilegal».
E não se tratava de uma simples questão de "preferência" por uma segunda deliberação do CS. Washington bem tentou obtê-la, mas esbarrou com a oposição da esmagadora maioria do Conselho contra a intervenção militar. Na verdade, houve uma deliberação implícita do CS contra a invasão.
Para quem, como António Monteiro, invoca uma relação especial e mesmo pessoal com Annan, esta tentativa de distorção dos factos não lhe fica bem.

Orçamento rectificativo

«O ministro Bagão Félix anunciou um Orçamento Rectificativo (OR) a apresentar pelo Governo à Assembleia da República, a fim de anular uma operação bancária montada pela ministra que o antecedeu e pelo ministro da Saúde, Luís Filipe Pereira, ansioso candidato a coveiro do S.N.S.. A operação em causa destinava-se a limpar os 1,2 mil milhões de euros de dívidas acumuladas às farmácias, indústria farmacêutica e sector convencionado.
Economistas e fontes da banca (com excepção provável do consórcio tomador da dívida) asseguram que o OR poupa dinheiro ao Estado
[em virtude dos juros mais favoráveis da dívida pública em relação ao crédito bancário].
Não estando em causa a honorabilidade da Dr.ª Manuela Ferreira Leite, atrevo-me a imaginar dois cenários que espero ver inviabilizados. Mal seria que este Governo sobrevivesse à legislatura e, pior ainda, que o próximo prosseguisse esta política de saúde:
1 - Os bancos tomadores do empréstimo (e desconheço quais são) estão fortemente interessados nos hospitais S.A. e pretenderiam, no futuro, ver os créditos transformados em capital social e, assim, entrarem no sector da saúde;
2 - Não acreditando na bondade do piedoso ministro Bagão Félix, detentor do mais enigmático poder dentro do Governo, atrevo-me a pensar que, além da poupança e da transparência que revela com o recurso à emissão de dívida pública, deixa a porta aberta para as Misericórdias.»


(Carlos Esperança)

Caciquismo local

«Depois de ler o artigo de VJS sobre Matosinhos penso que estes tristes exemplos são directamente proporcionais à distância de Lisboa (ou por vezes, à distância da comunicação social).
Sendo habitante de Braga, convivo desde que nasci com o mais triste exemplo de caciquismo português (talvez pior que o de João Jardim). A personagem? Mesquita Machado. Sempre me interroguei se o que se passa nesta cidade seria possível em Lisboa ou mesmo no Porto, penso que não. Tudo isto vai ocorrendo longe da comunicação social nacional, que raramente lhe faz referências. O que me ultrapassa completamente, é ver os dirigentes nacionais do PS a elogiarem a criatura como exemplo nacional (eu sei que o mesmo se passa com Jardim). Nestes casos não há qualquer distinção partidária.
Mas será que em Lisboa ninguém sabe o que se passa?»

(Horácio Luís Azevedo)

domingo, 19 de setembro de 2004

Populismo

Diferentemente do que propõe J. P. Henriques, hoje no Público, populismo não é «prometer e não cumprir». Populismo é prometer (e por vezes fazer) o que é popular só por o ser (mesmo por más razões), por simples oportunismo político, independentemente de se acreditar no mérito e na justeza dessas medidas e da sua consistência política com os princípios defendidos. Provavelmente é essa mesmo a explicação para as anunciadas medidas de Bagão Félix...

Adenda
Apoiante fiel da anterior ministra das finanças, Pacheco Pereira, agora auto-alcandorado em crítico-mor do Governo do seu próprio partido, considera que os que se prestam a tomar a sério as propostas fiscais do actual ministro estão a ser facilmente "levados". Honra aos duros, que nem sequer se dão ao trabalho de discutir o mérito das propostas em causa...

O caso da semana: A desconsideração da oposição

A ostensiva ausência do primeiro-ministro, sem qualquer justificação, a uma interpelação parlamentar promovida pelo BE na Assembleia da República é mais grave do que a pequena atenção que ela mereceu nos média deixa entender.
Um dos requisitos essenciais de uma democracia parlamentar é a presença do governo no Parlamento para prestar contas dos seus actos. As interpelações parlamentares são um dos principais instrumentos da oposição parlamentar. O Governo é em princípio representado pelo primeiro-ministro, pelo que não é aceitável a tese de que ele escolhe livremente quem manda ao parlamento. Mesmo que a Constituição não diga expressamente que deve ser o Primeiro-ministro a comparecer na AR, desde há muito que é assim, independentemente dos governos, tendo-se criado portanto uma prática reiterada nesse sentido.
Um regime constitucional democrático não é regido somente por normas constitucionais e regimentais, mas também por costumes, convenções, praxes, etc., que não precisam de estar escritas para serem politicamente vinculativas. O primeiro-ministro tem o dever de se apresentar na AR sempre que esteja em causa o governo enquanto tal. A violação ostensiva deste dever por parte de Santana Lopes, para além de evidenciar uma fuga a enfrentar a questão política em causa (a proibição de entrada do barco da organização Women on Waves), revela uma desconsideração pela oposição, que não deve ser tolerada, e um défice de cultura democrática, que não pode deixar de ser denunciado.
É um mau começo do novo Governo.

Desastre na colocação de professores

«(...) Não consigo entender como é que foi possível acontecer um desastre desta dimensão. Com efeito, há demasiadas perguntas por responder:
1. O anterior Ministro David Justino foi vencido pela burocracia do seu Ministério, admite que errou ou o que é que se passou ?
2. O novo sistema informático de apoio ao novo sistema de colocação de professores foi correctamente especificado pelos técnicos e especialistas do Ministério da Educação? Mais, o programa respectivo conheceu algum calendário de testes e foi testado com dados em massa antes de ser dada luz verde? Em caso afirmativo, quais foram os resultados desses testes?
3. Como é possível que ainda não se conheçam os resultados do Inquérito que, se bem entendi, foi mandado instaurar por David Justino? Existe alguma data com que a actual Ministra da Educação se tenha comprometido para apresentação dos resultados do Inquérito?
4. Quais são as garantias de que o mesmo não voltará a acontecer no próximo ano lectivo? (...)»

(Jorge Guerreiro)

A questão está na diferença (2)

Na mesma Visão, o antigo ministro das finanças Medina Carreira, pronunciando-se sobre o financiamento dos serviços de saúde diz que eles sempre têm de ser pagos pelos cidadãos, sendo indiferente que o sejam «nas finanças ou à porta do hospital».
Ora a questão está justamente na diferença dessas duas soluções. Sendo financiados por via dos impostos, eles são pagos por todos os seus potenciais beneficiários, "grosso modo" de acordo com a capacidade contribuinte de cada um (ou assim deveria ser); sendo financiados individualmente em contrapartida dos cuidados de saúde, eles são financiados somente pelos doentes efectivos, que assim somam à desvantagem da doença o ónus do pagamento dos serviços de saúde. É por isso que, sem prejuízo de taxas moderadoras que diminuam a sua procura supérflua, os serviços de saúde devem ser essencialemente pagos por todos, quando saudáveis, e não somente pelos doentes "à porta do hospital", justamente no momento em que menos deveriam ser sobrecarregados pela factura financeira.

A questão está na diferença (1)

Na Visão desta semana João Cravinho, o antigo ministro socialista que estabeleceu as auto-estradas SCUT ("sem custos para o utente") entre nós, diz que o actual Governo também está a seguir o mesmo modelo nos projectados hospitais do SNS a construir e a explorar em regime de concessão a empresas privados.
Pois é. A questão está porém na diferença das duas situações. É que o SNS deve ser gratuito (porque a Constituição o impõe à partida), até porque o universo de beneficiários coincide com o dos contribuintes, pelo que tais hospitais concessionados a privados só podem ser SCUT, ao passo que as auto-estradas, que só beneficiam quem as utiliza, não têm de ser nem devem ser gratuitas, até porque somente uma parte do universo dos contribuintes é que são beneficários específicos das mesmas, pelo que podem e devem ser os utentes a pagá-las.

sábado, 18 de setembro de 2004

O futuro da CGD

Ainda a propósito do caso Mira Amaral, ocorreu-me o texto de uma carta que há umas semanas recebi de um antigo aluno da minha Faculdade a propósito do meu artigo no Diário Económico e da referência que nele fazia à proposta da Moção de M. Alegre de manter a CGD no sector público.
Que sim, talvez, se houvesse uma estratégia própria para o banco em questão. Que a CGD não deve andar à deriva nem servir apenas como garantia de certos negócios privados. Que a sua gestão não pode ser uma espécie de prémio ou de depósito para os altos quadros do partido que ganha as eleições, sem se cuidar dos seus méritos para o exercício da função, etc., etc. Premonitório ou talvez não.

Maria Manuel Leitão Marques

Reforma antecipada, já

As pessoas com vidas miseráveis, como a minha, vêem - por vezes - coisas inenarráveis que escapam ao resto do mundo. Estou a falar de Maria João Avillez e da sua "entrevista" a Cláudia Raia e Miguel Falabella. O actor conseguiu disfarçar, com serenidade, a irritação por não conseguir terminar uma única resposta, mas a tensão nos olhos da actriz era bem evidente.
Depois de quase uma hora a serem constantemente interrompidos pela sapiência roufenha de MJA, chegou o momento da noite. Cláudia Raia falava do seu marido, Edson Celulari, quando a super-tia da SIC-Notícias resolveu intervir: "E em que área do mundo do espectáculo trabalha o seu marido?".
Ora, deixemos por descrever a estupefacção da actriz brasileira. Até eu, que não vejo novelas desde o "Sassaricando", sei que Edson Celulari é um dos mais conhecidos galãs brasileiros e que o seu casamento com CR é um dos mais antigos e mediáticos do show-biz de Vera Cruz.
Maria João ainda tentou emendar o soneto: "Ah, pois! Sabe, é que há tantos Edsons (ou Edisons) no Brasil..." - claro que há. Por exemplo, aquele da lâmpada eléctrica era vizinho do Scolari em Maceió.