segunda-feira, 3 de janeiro de 2005

Paula Rego

«A exposição [de Paula Rego em Serralves] é de facto muito boa, ou não fosse de Paula Rêgo uma das nossas melhores. Estive lá logo no primeiro sábado com uns amigos estrangeiros, todos falantes de português e a quem quis apresentar o trabalho daquela pintora. Pena mesmo foram os erros ortográficos com que me deparei logo na primeiro painel da entrada, as etiquetas identificadoras primeiro em inglês e só depois em português. Coisa pouca e de pouca monta que é como começa toda a indiferença e displicência que é a falta de orgulho e respeito na nossa língua... e a falta de profissionalismo dos responsáveis da casa de Serralves. E já nem falo da má iluminação das obras que estão num corredor. É no pormenor que se revela o cuidado dos profissionais; aos amadores basta a crença que ninguém vai ler a informação na entrada da exposição e que o resto disfarça com o barulho das luzes.»
(Ferreira Grande)

O PPM do PS

Se o PSD, para mostrar uma suposta ampliação do seu espaço eleitoral, resolveu dar quatro deputados aos microscópicos PPM e MPT, que eleitoralmente valem pouco mais que nada, também o PS parece que vai reeditar o acordo com o "Movimento Humanismo e Democracia" (MHD), constituído nos anos 90 por um pequeno número de católicos oriundos do CDS, acordo que vem desde 1995 (Guterres) e que garante àquele vários deputados. Só que enquanto os parceiros do PSD ao menos são partidos oficialmente estabelecidos e não têm divergências com o PSD na generalidade dos temas (ressalvado o folclore monárquico do PPM), o tal MHD é um pequeno grupo praticamente desconhecido e tem divergências de fundo com as posições do PS em questões essenciais (despenalização do aborto, sistema de ensino, etc.). Ademais, não é provável que acrescente um voto ao PS (se é que não retira...).
Há negócios políticos cuja racionalidade escapa aos simples mortais...

domingo, 2 de janeiro de 2005

Referências

1. Opinião
"A depressão como álibi?", por Eduardo Lourenço.
Para um pessimista ontológico como Lourenço este manifesto contra a depressão nacional é reanimador.
"The Bullet and the Ballot", por Patrick Cockburn.
No Spectator, um dos faróis do conservadorismo britânico pró-americano, que apoiou a guerra no Iraque, este artigo é a mais gritante confissão do fracasso da invasão.

2. Entre aspas
«Há muito que, com doloroso conhecimento de causa, o venho proclamando: do pré-escolar à universidade, há um elevadíssimo número de educadores e professores em Portugal que não tem os requisitos mínimos de idoneidade e competência profissional para continuar a partilhar a educação das novas gerações.»
"Ano novo, vida velha", por Ademar Ferreira dos Santos.

Ondas mediáticas

À margem da tragédia ocorrida no sudeste asiático, alguém conseguirá esclarecer três dúvidas que me assaltam: a) porquê tsunami - onda a que o Público e a RTP aderiram - em vez de maremoto?, b) não haverá ninguém responsável nas redacções, capaz de explicar aos seus jovens quadros que não é "Samatra" que se diz nem se escreve, mas sim "Sumatra"? e c) qual a diferença entre "desaparecidos" e "incontactáveis"?

Falam, falam...

...mas o ano de 2004 até foi jeitoso. Saiba porquê, no Aba da Causa.

sábado, 1 de janeiro de 2005

A ausência

Na longa mensagem de Ano Novo do Presidente da República, exclusivamente dedicada a assuntos domésticos (a própria UE é mencionada de passagem, sem uma palavra para a questão da ratificação da Constituição europeia), não houve uma menção sequer tragédia do maremoto do sudoeste asiático. No entanto, era mais do que justificada uma referência, dada a espantosa dimensão das perdas humanas e a campanha de solidariedade internacional em curso. As misérias domésticas parecem aliás pouca coisa face à morte de dezenas de milhares de pessoas e à provação de milhões de sobreviventes.

O improvável "entendimento"

Na sua mensagem de ano novo o Presidente da República fez um diagnóstico preocupado da situação financeira, económica e social e defendeu um "entendimento" entre os principais partidos (ou seja, o PSD e o PS), depois das próximas eleições parlamentares, sobre dois temas fulcrais para a recuperação do País, nomeadamente a consolidação das finanças públicas e a competitividade da economia nacional. Não é a primeira vez que faz propostas nesse sentido. Da última vez, na Primavera passada, ainda na vigência do Governo Durão Barroso, o PS recusou-se a considerar tal ideia (a meu ver mal, como então defendi).
A situação só se agravou desde então. Tudo indica que este ano vai ser ainda mais difícil sob o ponto de vista do défice público. O equilíbrio das finanças públicas vai demorar mais alguns anos. E no que respeita ao crescimento económico, as perspectivas não são melhores. Provavelmente continuaremos a divergir da média europeia e a descer no "ranking" dos países da UE. Continuamos em plena crise. Por isso, o estabelecimento de uma plataforma mínima de consenso nestes dois temas seria de todo bem-vinda. Mas não é previsível a sua realização. Se o PS ganhar as eleições, como se prevê, desta vez será o PSD a inviabilizar esse entendimento, mesmo que neste momento não o possa dizer.

Saudade da Bahia (4)



"Cachaçaria" - Itacaré, a norte de Ilhéus.

(Clicar na imagem para a ver em tamanho maior).

Candidatos pela emigração

«A escolha dos cabeças de lista pela Emigração [pelo PS] está a pôr o partido em alvoroço. O partido que vive no estrangeiro porque o de "dentro" esteve-se marimbando para as sugestões vindas de fora. O quero, posso e mando vindo de Lisboa vai redundar num movimento de contestação apelando ao voto em branco.
Escolher Maria Carrilho para representar os emigrantes da Europa e o ilustre desconhecido Aníbal Araújo para liderar o circulo "Fora da Europa" parece-nos uma brincadeira de mau gosto.
Tanto o perfil como o CV de cada um demonstra uma total indiferença para com as comunidades portuguesas. E isso vai custar caro ao PS.(...)»


Amadeu Moura (simpatizante do PS)
Montreal- Canadá

sexta-feira, 31 de dezembro de 2004

2005

Para além do vulgar (embora indispensável) desejo de bem-estar, tendo em conta que entraremos no dia 2 em campanha eleitoral, eu espero que este seja o ano da verdade financeira. Que nas eleições não se prometa o impossível e se apontem as dificuldades (numa espécie de "anti-campanha" pensada para cidadãos que não são estúpidos!); que se expliquem os sacrifícios incontornáveis, mas se mostrem também os seus objectivos, de tal modo que se perceba a coerência entre uns e outros; que as reformas e mudanças indispensáveis sejam pensadas com competência e rigor, para as pessoas e com as pessoas, sem dogmas nem preconceitos que nos amarrem a modelos já ultrapassados.
E já agora que tudo isso nos torne capazes de olhar para o futuro com mais confiança e determinação, sem um falso optimismo, mas também sem um derrotismo prematuro. Sem esquecer que esse futuro depende sobretudo do esforço de cada um de nós, e não apenas de um qualquer governo providencial e com a certeza, aquela que o passado nos permite ter e a história pessoal de cada um de nós provavelmente também, de que quase sempre que ousámos enfrentar grandes desafios fomos capazes de vencer.

As reformas douradas da CGD

Afinal a regra que permite as escandalosas reformas douradas na CGD ainda não foi alterada? Ainda bem que alguém se lembrou da promessa do Ministro das Finanças e ainda bem que este garantiu que vai honrar o prometido!

Ainda a questão do Embaixador

Quanto aqui escrevi que se tentava fazer tempestade num copo de água com a questão do regresso do embaixador à Tailândia, bem ao gosto de um certo jornalismo especialista em dramatização, precisamente num momento em que o horror da verdadeira tempestada nos entrava pelos olhos dentro, foi obviamente no pressuposto de que o encarregado de negócios faria o seu papel. Nestas circunstâncias, o que conta são os actos e não os galões de quem se mexe. Contudo, amigos de Macau relatam-me que, infelizmente, o problema assumiu outras dimensões. Telefones da embaixada em atendimento automático, auxílio do leitor de português não solicitado, etc. etc. Enfim, a ser verdade tudo o que vem sendo relatado por quem estava na Tailândia, a ausência do embaixador ter-se-á traduzido na ausência de representação diplomática portuguesa. Seria bom que o Ministro António Monteiro voltasse a esclarecer-nos, visto que a explicação do Embaixador de que o voo demora 24 h é ridícula e não esclarece absolutamente nada sobre o papel da Embaixada.

Referências

1. Opiniões
"O Boato na Campanha", por Mário Bettencourt Resendes
"Uma certa escroqueria universitária", por Ademar Ferreira dos Santos.

2. Entre aspas
«Um PS com maioria absoluta em Março talvez consiga governar. Um PS dependente do Bloco ou do PCP a executar a política que vai ter de executar não vai poder governar».
Saldanha Sanches, "A Falência de um Sistema", no Expresso de hoje (suplemento Economia & Internacional), indisponível on-line.

Qual é a lógica?

Zita Seabra, cabeça-de-lista pelo PSD em Coimbra. Que sentido faz isso? Só para protagonizar um duelo feminino com Matilde Sousa Franco? (E não era ela uma conhecida "marcelista"?...). E Carlos Encarnação, o presidente do município coimbrão, que era dado como líder da lista de candidatos, por que foi despromovido?

Enviesamento ocidental

Segundo os últimos números a tragédia do maremoto pode ter causado centenas de milhares de vítimas nos países atingidos, designadamente na Indonésia. As televisões, porém, têm ocupado grande parte do seu tempo com as vítimas estrangeiras nas estâncias turísticas da Tailândia e das Maldivas (em grande parte nacionais de países europeus).
As vidas não têm todas o mesmo valor.

Mais de 100 000

A exposição de Paula Rego em Serralves ultrapassou os cem milhares de visitantes. Um "record" nacional. Um justíssimo sucesso para a pintora e para o Museu do Porto.
Nem tudo é negativo em Portugal.

Razões afectivas...

... na decisão de Matilde Sousa Franco para aceitar a candidatura à frente da lista do PS por Coimbra nas próximas eleições parlamentares. De facto, ela está longe de ser uma "paraquedista" no círculo eleitoral por que se candidata.

Saudade da Bahia (3)



«Equinócio da Primavera»: "Grafitto" em Itacaré, a norte de Ilhéus.
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Diário Eleitoral (4)

O artigo de Miguel Portas, publicado ontem no Diário de Notícias, do qual foi reproduzido um excerto num post precedente, parece firmar a posição oficial do Bloco de Esquerda sobre a atitude a tomar em relação ao Governo que vier a resultar da previsível vitória eleitoral do PS nas próximas eleições. Invocando as divergências em matéria europeia (mas o discurso poderia igualmente invocar as diferenças na política doméstica), ele vem asseverar que o BE não está disponível para uma coligação de Governo com o PS, preferindo ficar na oposição, pronto a aprovar somente as leis e outras medidas com que concordar.
Admitindo que uma coligação com o PCP, mesmo que este a deseje, não se afigura mais provável, pelas mesmas ou maiores razões (basta referir o fosso no que respeita à UE), isto significa que, caso vença sem maioria absoluta, o PS não poderia contar com apoios à sua esquerda para formar uma maioria parlamentar de apoio ao Governo. Tudo indica que, nesse caso, forçado novamente a constituir um governo minoritário, lhe faltaria o necessário apoio parlamentar para assegurar as incontornáveis políticas de disciplina orçamental e de contenção da despesa pública que se tornam imperiosas enquanto a retoma económica não aliviar a situação financeira.
Sendo assim, resta ao PS contar somente consigo mesmo e empenhar-se a sério na obtenção de uma maioria absoluta. Ao excluir antecipadamente o apoio pós-eleitoral a um Governo do PS, o BE acrescenta um bom argumento para reforçar esse objectivo eleitoral.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2004

Só se não tivesse um mínimo de amor próprio

Recusando qualquer cooperação com Santana Lopes, Manuela Ferreira Leite rejeitou primeiro ser candidata a deputada e depois ser mandatária da lista de Lisboa do PSD. Ainda há quem se sinta com as ofensas pessoais e políticas!

Referências

1. Opiniões
"Língua Portuguesa: À procura do Futuro", por Carlos Reis

2. Entre aspas
«Percebe-se, assim, que a política europeia obriga as esquerdas a apresentarem-se separadamente às eleições. E o que está em jogo impossibilita quaisquer coligações de governo. As coisas são como são.»
"Nós e a Europa", por Miguel Portas.

A razão de Serrão

Escrevo com algum atraso relativamente à controvérsia levantada pelo despique parlamentar entre o líder do PS-Madeira, Jacinto Serrão, e o líder da bancada do PSD-M, Jaime Ramos. Mas a distância temporal é, muitas vezes, boa conselheira: permite-nos avaliar de forma mais fria e racional os factos que nos propomos comentar. É esse, precisamente, o caso.

Serrão foi alvo de duras críticas por causa da sua reacção excessivamente emocional às habituais, grotescas e intoleráveis provocações de Ramos. A repetição de passagens da sua intervenção em alguns canais televisivos sublinhou esse excesso e proporcionou severas interpretações moralistas. Ou seja: ao falar assim, Serrão ter-se-ia colocado ao nível do interlocutor e mostrado que o recurso à vulgaridade e à má-criação deixou de ser um exclusivo do jardinismo, contaminando a natureza do «debate» político na Madeira. Pior: reagindo dessa forma, Serrão teria favorecido o abstencionismo cívico dos madeirenses que rejeitam o sistema jardinista mas também recusam uma oposição que recorre a uma linguagem idêntica à dos seus adversários políticos.

Compreendo esses argumentos, mas tenho uma opinião diferente. E considero que alguns dos argumentos invocados têm por base um moralismo hipócrita. Não é legítimo exigir a quem é sistematicamente alvo de insultos que tenha a frieza de lhes responder de uma forma urbana e bem-educada. Se sou insultado e não reajo -- ou reajo de uma forma tão suave e gentil que deixa indiferentes ou até sorridentes os que não conhecem outra linguagem senão a do insulto e da boçalidade mais primária -- corro o risco de passar por ingénuo, por parvo, ou até por cobarde. É isso, aliás, o que tem acontecido, ao longo de décadas, à oposição madeirense.

É certo que teria preferido que Serrão se tivesse controlado mais, que não tivesse descido ao nível de tratar por tu e pelo diminutivo o seu adversário. Mas como é possível, em nome da hipocrisia do «politicamente correcto», negar a alguém o direito de, pelo menos uma vez, exceder-se e perder literalmente a cabeça quando é confrontado com um troglodita que parece saído das grutas pré-históricas e só sabe vociferar grunhidos simiescos para discutir com os humanos? Posso discordar da forma como Serrão reagiu, mas não discuto o fundo. De resto, já aqui escrevi que para responder a um malcriado só há uma forma comprovadamente eficaz -- é mostrar que, apesar da nossa boa-educação, somos capazes de ser ainda mais malcriados do que ele.

Aliás, no que se refere aos «sifões de retretes», Serrão nem sequer foi original: limitou-se a repetir uma expressão consagrada pelo general Carlos Azeredo, no seu livro de memórias, a propósito de Jaime Ramos. E quanto ao resto, creio bem que, depois do que aconteceu, Ramos e os seus colegas de má-criação militante, além do inefável presidente do parlamento madeirense, não deixarão de extrair as devidas consequências do caso. Se souberem que o insulto não fica impune e implica um direito de retaliação, talvez se cuidem, futuramente, nos modos e na linguagem que se devem observar num debate parlamentar.

Vicente Jorge Silva

(Este texto é também publicado na próxima edição do quinzenário madeirense «Garajau»)

Saudade da Bahia (2)



Azulejos do claustro da Igreja de São Francisco, Salvador (pormenor).
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"Marmôto"!

Por estes dias consumou-se mais uma corrupção da língua portuguesa nos meios de comunicação. A palavra "maremoto" (que é o termo português para "tsunami", este quase desconhecido até aqui fora dos círculos de especialistas...), que vem do Latim por via erudita (mare + motus, que significa "movimento do mar") e que tem 4 sílabas (ma-re-mo-to), está a ser sistematicamente pronunciada como se tivesse somente três sílabas (mar-mo-to). Até já a vi escrita num blogue como está a ser dita, ou seja, como "marmoto"! Ainda por cima por vezes é pronunciada com um som fechado na sílaba acentuada (-mo-), o que soa como "marmôto" (contaminação de "marnoto" ou de "Mar Morto"?)!
Pobre língua! Não será de exigir ao menos aos "media" de qualidade que cuidem da qualidade do Português que usam e que, se for caso disso, instituam um Provedor da Língua, que evite estes atentados grosseiros?

quarta-feira, 29 de dezembro de 2004

Diário Eleitoral (3)

Está na ordem do dia a escolha dos candidatos partidários às eleições parlamentares. É sempre uma ocasião de grande disputa interna, se bem que normalmente surda. Na imprensa apareceram artigos de militantes qualificados a alertar contra a manipulação e a falta de transparência nesse processo. Trata-se de uma questão de importância decisiva para a qualidade do futuro parlamento, visto que no nosso sistema eleitoral os eleitores têm um voto de lista, onde nem sequer figuram os nomes dos candidatos, e cuja composição e ordenação não podem alterar (diferentemente do que sucede em outros sistemas eleitorais da família do nosso). Na verdade, muitos eleitores nem sequer sabem o nome da maior parte dos candidatos que vão eleger ao votar numa determinada lista.
A lei dos partidos nada impõe a esse respeito, deixando-lhes plena liberdade de decisão. Os partidos políticos observam em geral normas estatutárias que conferem tal poder às comissões distritais, porém com uma reserva de decisão para o líder ou para a direcção nacional no que se refere aos nomes cimeiros de cada lista, a começar pelos cabeças-de-lista.
Curiosamente no Le Monde de hoje, Pierre Rosanvalon discorre sobre as eleições primárias dentro dos partidos políticos para escolher os seus candidatos às eleições, o que como se sabe é uma prática corrente nos Estados Unidos, onde os partidos são organizações assaz fluidas, mas que pelos vistos entrou também na agenda política francesa. Em Portugal não falta quem defenda igual solução, como forma de "democratização" da escolha dos candidatos. Alguns vão mesmo ao ponto de preconizar a imposição desse método aos partidos por via legislativa. Mas parece claro que não está iminente nenhuma conversão dos partidos portugueses a esse procedimento adicional de democracia interna.

Solidariedade global?

Se O G 7 (8 ou 9) servisse hoje como grupo de países capazes de financiar e organizar o apoio às regiões afectadas pelo maremoto (o que inclui refazer casas, actividades económicas e restaurar o tecido social na medida em que tal seja possível), isso seria uma excelente forma de mostrar que os tantas vezes contestados clubes exclusivos dos países mais ricos, que governam o mundo global, também existem e são relevantes na hora da solidariedade.

Tocante

No meio das histórias de horror dos últimos dias, é tocante o reconhecimento do apoio prestado pelas populações locais aos turistas que se encontravam nas Maldivas, conforme relatava hoje à SIC uma jovem portuguesa recém chegada a casa. Nem nesse momento em que muitos ficaram sem casa, sem emprego e sem futuro próximo faltaram os habituais cocos e as bananas para oferecer aos seus visitantes.
No meio deste notável esforço para poder cuidar dos outros, que inclui o dos médicos tailandeses de serviço há mais 48 h, o "estardalhaço" sobre se o embaixador português na Tailândia deveria ter regressado de imediato ou 2 dias depois, considerando que o encarregado de negócios fez o seu papel, é uma questão pequena e relativamente irrelevante, tal como o Embaixador António Monteiro, notoriamente agastado, referiu hoje aos jornalistas.

Escarro

«Soberba dá-se nos abruptos incontinentes, traidores por feitio e natureza, que sempre se venderam por uma sacola de 30 dinheiros. É o pecado dos sem-vergonha, sem pátria e sem coluna. E dos inchados. E são muitos...». Assim discorreu o inevitável Luís Delgado no desafortunado jornal que o tem de suportar como administrador e colunista. Obviamente o inequívoco alvo do ódio do obcecado militante santanista (sublinhei desnecessariamnte o termo "abruptos") não vai responder a este insulto furtivo e rasteiro, quanto mais não seja por uma questão de dignidade política e intelectual. Mas lá que dá vontade de devolver o escarro à procedência, lá isso dá!

Referências

1. Artigos
«O País "Retalhado"», por Manuel Carvalho (editorial do Público)

2. Entre aspas
«Santana fez a sua plataforma e vai "eleger" quatro deputados com 0,51% dos votos [do PPM e do MPT], isto é, o Parlamento vai ter quatro personagens que não representam ninguém; e como se isso fosse pouco Nuno da Câmara Pereira assegura que a questão do referendo à monarquia já «foi tratada com o PSD» (A Capital). (...) Que mal fez este país a Deus para lhe ter saído um Santana Lopes na rifa?»
O Jumento

Prioridade II - Ajudar a Indonésia

Prioridade - apoio aos nossos compatriotas apanhados na crise. A seguir - prestar ajuda humanitária de emergência aos países e comunidades afectados.
As necessidades são tremendas, sem precedentes, na maior catástrofe humanitária de que há registo, segundo a ONU - a contagem dos mortos vai agora em 68.000, a dos semi-vivos necessitados ainda está por calcular. A comunidade internacional tem de ajudar, organizadamente para ser eficaz, repartindo tarefas - e ninguém pode substituir a inestimável experiência da ONU e suas agências, inclusivamente coordenando o direccionamento da ajuda não governamental.
Portugal tem escassos recursos, não pode chegar a todo o lado. Anuncia-se a partida de dois aviões transportando ajuda portuguesa, governamental e não governamental, com destino ao Sri Lanka - onde não temos sequer embaixada, apesar dos intensos laços históricos e humanos (é ver os Pereras, Gonçalves e Fernandes que testemunham dali para as cadeias de TV internacionais nestes dias). Diversas razões podem explicar esta escolha de alvo: é mais fácil (até pela língua), é mais perto, é mais acessível, é mais barato, começou por ser dado como o país mais afectado, recuperava duma longa guerra civil, aproxima-se a celebração do aniversário do primeiro encontro com portugueses há 5 séculos (apesar dos desencontro do último século, sobretudo por desinteresse nosso ...), tem potencial turistico, etc....
Mas se há país afectado que deveria ser considerado prioritariamente, do ponto de vista político, para a ajuda portuguesa, é a Indonésia. É o mais traumatizado e o mais necessitado. No Aceh, provincia já tão martirizada por 30 anos de conflito armado, sofreu-se agora a devastação primeiro do tremor de terra e depois do tsunami. Seguir-se-ão as epidemias, se não se enterram rapidamente os mortos, e os motins se não se dá rapidamente apoio mínimo a quem sobreviveu.
É uma zona até aqui vedada à comunidade internacional - mas a tragédia obrigou as autoridades indonésias a abri-la ao auxilío exterior, o que não se pode desaproveitar, sobretudo na perspectiva de ajudar também, do mesmo passo, a por termo ao conflito armado e reconstruir as relações dos acehneses com Jacarta.
O Aceh tem com Portugal laços históricos e humanos tão antigos e tão ou mais fortes que o Sri Lanka, como provam Lamno e outros «kampung portugis» agora, porventura, destroçados ou a precisar de auxilio básico e reconstrução. É, tenho a certeza, à semelhança de toda a Indonésia, uma zona onde a ajuda portuguesa será bem acolhida e muito especialmente apreciada.
Por outro lado Portugal continua a precisar de cultivar particulamente as suas relações com a Indonésia, para recuperar dos anos de conflito político e diplomático por causa da questão de Timor-Leste, pelas nossas valiosas relações bilaterais seculares e pelas perspectivas de relacionamento comercial e económico que desde 2000 se abriram ( e que Lisboa não soube, nem quis explorar e desenvolver, para minha maior frustração). E, também pelo impacte positivo que o bom entendimento Lisboa-Jacarta tem sobre o relacionamento entre a Indonésia e Timor-Leste.
Por Timor- Leste, em última análise, deviamos neste momento ter aviões de ajuda de emergência a partir para o Aceh.
Bem sei que o Estado não pode tudo financeiramente, sobretudo quando se acha tão mal governado nos últimos anos e tão desgovernado nos últimos meses. Mas pode estabelecer prioridades políticas. É para isso que serve o MNE. E a sociedade civil pode ajudar financeiramente o Estado: que se cheguem à frente os bancos e empresários, da Opus Dei ou dos «Compromissos Portugais» e outros que tais. Para darem sentido prático aos chavões de «responsabilidades social», «ética corporativa» com que já vão, volta e meia, cosmopolitanamente salpicando o discurso. Fico à espera de os ver estimular e financiar uma intervenção humanitária de emergência portuguesa no Aceh-Indonésia.

Ana Gomes