sábado, 16 de julho de 2005

Vistas curtas

De um líder político que alinha demagogicamente com os interesses localistas imediatos de Lisboa na questão do novo aeroporto não são de esperar grandes vôos. Estando indesmentivelmente previsto para dentro de poucos anos o esgotamento da capacidade do actual aeroporto da capital -- e mesmo assim à custa de enormes investimentos para lhe prolongar a vida até 2015 --, como é o presidente do PSD pode tomar posições tão pouco responsáveis? Ainda se se tratasse de algum candidato ao município de Lisboa...

Privilégios sindicais

Que dizer de dirigentes sindicais que convocam greves, que implicam para os grevistas perda de remuneração dos dias de greve, e que depois pretendem receber a remuneração do dia de greve como se não tivessem feito greve, invocando dispensa de serviço para trabalho sindical? Há alguma moralidade nisso?

Só?

«PCP culpa Governo por incêndios e crise económica». E pela seca, e pelo Alberto João Jardim!?

sexta-feira, 15 de julho de 2005

Correio dos leitores: A escola pública (3)

«Li com atenção e particular agrado o seu artigo no «Público». Mais uma vez verifico a forma pertinente como desmonta a polémica com que tantas vezes se tem rodeado a discussão em torno da chamada liberdade de ensino em Portugal. Permito-me juntar apenas um argumento adicional. Como pai de um jovem autista é na escola pública que encontro as condições possíveis (e desejáveis) de integração do meu filho numa escola que se pretende inclusiva. Com que direito o Estado continua a subsidiar directa ou indirectamente o ensino privado que, regra geral, crianças como o meu filho não tem hipóteses de frequentar?
Mesmo ao nível da educação pré-escolar, onde os apoios educativos abrangem escolas privadas, a inclusão de crianças com necessidades educativas especiais é recusada ou desaconselhada. Falo por experiência própria, mas também não me esqueço da recusa por parte do colégio onde em Braga frequentei o Ensino Primário - o Colégio D. Diogo de Sousa - em admitir uma criança com o síndrome de Down cujo irmão mais velho era já aluno da referida instituição.»

João Pedro Cunha-Ribeiro

Correio dos leitores: A escola pública (2)

«Concordo com o essêncial do artigo respeitante à escola pública/escola privada. No entanto gostaria de fazer notar que essas opiniões têm como ponto de partida que em todos os lugares existe uma "oferta" de escola pública em quantidade e qualidade aceitáveis. O que não sucede, por exemplo em algumas zonas de Lisboa, onde o parque escolar é insuficiente (nomeadamente por se deixar urbanizar sem que se instalem outros equipamentos) ou aquele que existe só oferece mau ensino, insegurança e horários incompatíveis com a profissão dos pais. Veja-se por exemplo os casos das Expo (escolas insuficientes) e do Lumiar (escolas insuficientes e oferta "degradada"). Como resultado desta situação sou obrigado a ter osmeus filhos numa escola privada, o que consome uma enorme fatia do orçamento familiar. É uma decisão que cabe a mim, mas que desonera o Estado de alguma responsabilidade e assim tenho a "garantia" que os meus filhos terão uma melhor formação escolar, o que os beneficiará, mas também beneficiará o País.
Gostaria, e muito, de ter à disposição dos meus filhos uma boa escola pública. Tenho procurado saber junto da autarquia de Lisboa e do Ministério daEducação o porquê da não criação dos estabelecimentos de ensino público na zona onde moro, mas nunca obtive qualquer resposta...».

David Caldeira

Correio dos leitores: A escola pública

«Pensa que os objetivos com os quais o ensino público foi criado no século 19, nomeadamente o fomento da coesão e unidade nacionais e linguísticas, são compagináveis com as aspirações de liberdade, inclusivamente cultural, dos cidadãos, e com os atuais países multi-étnicos e multi-religiosos? Não lhe parece que, pelo contrário, o espírito nacionalista do século 19 é contraditório com a forma moderna
de ver o mundo e os países?
Os liberais não são a favor da desresponsabilização do Estado no financiamento do ensino, ao contrário daquilo que Você afirma no seu artigo. São a favor de que esse financiamento permita ao aluno (ou aos seus pais) a escolha da escola. Isso pode ser feito através de um sistema de "vouchers", por exemplo, no qual o financiamento é dirigido para a escola que o aluno decide frequentar, seja qual fôr a sua natureza. Não há neste sistema qualquer eliminação das responsabilidades estatais na garantia do direito à educação. Simplesmente, essas responsabilidades deixam de ser efectivadas através do financiamento a algumas escolas, e passam a ser efectivadas através do financiamento directo ao aluno. O aluno fica assim com a total liberdade de escolher a escola que pretende.»

Luís Lavoura

Comentário
1. A principal razão de ser da escola pública é a de proporcionar a toda a gente um ensino não confessional nem sectário, sem distinções de qualquer espécie. O carácter multi-étnico e multi-religioso das actuais sociedades só aumenta essa responsabilidade. A escola pública é um meio de integração e inclusão social.
2. Eu não disse que os liberais querem a desresponsabilização do Estado do ensino, pelo contrário. Mas se eles fossem liberais coerentes, era o que deveriam querer, dispensando o Estado dessa tarefa. Assim, como são falsos liberais, o que pretendem é que o Estado financie as escolas privadas.
3. O Estado não tem nenhuma obrigação de financiar o ensino privado, nem deve fazê-lo. O seu único dever é oferecer um ensino público de qualidade a toda a gente e não fomentar escolas confessionais, identitárias e segregacionistas.
4. Pelas razões que expliquei no meu artigo, o regime de "vouchers" não proporciona muito mais liberdade de escolha do que a que já existe. Apenas subsidiaria as escolas privadas àqueles que já as frequentam. Ninguém vai trocar uma boa escola pública por uma escola privada medíocre. E as escolas privadas de qualidade são dispendiosas.

quinta-feira, 14 de julho de 2005

A singularidade da escola pública

Já está disponível na Aba da Causa o meu artigo desta semana no Público, com o título em epígrafe. Entretanto considero pertinentes as achegas e observações de J. Vasconcelos Costa, cujo comentário agradeço.

terça-feira, 12 de julho de 2005

Concorrência, precisa-se

Fizeram-me chegar a reprodução de um anúncio relativo ao trespasse de uma farmácia numa cidade do interior, emitido por uma empresa de mediação imobiliária especializada em negócios de farmácias. Valor proposto: 5 milhões de euros, ou seja, 1 milhão de contos! (No link da empresa consta a indicação da farmácia mas não o preço do trespasse...)
Trata-se de um valor enorme, que traduz a valorização especulativa e o enriquecimento indevido proporcionado pelas restrições à abertura de farmácias, criando verdadeiros monopólios territoriais com rendosos volumes de negócios e elevados níveis de lucros. O que se espera para pôr fim a este regime irracional e contrário aos interesses dos utentes?

Explicação a pedido

Luís Novais Tito acha que não faz sentido continuar a votar a Constituição europeia, depois da rejeição da França e da Holanda. Ora, tal como os malteses e os luxemburgueses, que já a votaram depois disso (e outros Estados o vão fazer), eu também acho que faz todo o sentido.
Por várias razões, a saber: (i) porque, de acordo com uma declaração anexa ao tratado (e que tem o mesmo valor dele), se pelo menos 4/5 dos Estados-membros (ou seja 20), ratificarem o tratado e outros não, a questão será "considerada em Conselho europeu", o que quer dizer que a recusa de dois Estados não basta para matar o processo de ratificação; (ii) porque a falta de ratificação de um país não dispensa os demais do dever de ratificação que assumiram perante todos os outros ao assinarem o tratado; (iii) porque os franceses e holandeses só vinculam os seus governos e não os demais, nem os cidadãos dos demais Estados, que desejam também tomar posição (eu não me sinto representado por eles e quero tomar posição); (iv) porque cabe aos governos francês e holandês assumirem a responsabilidade pela rejeição perante os demais governos, que não devem facilitar-lhes a vida, desistindo de proceder à ratificação; (v) porque é totalmente diferente apurar no final do processo que, por exemplo, 22 ou 23 Estados ratificaram e 2 ou 3 não o fizeram, do que desistir de tomar posição só porque houve duas rejeições; (vi) porque se todos os Estados tomarem posição, como devem, e uma esmagadora maioria deles se pronunciarem pela ratificação, então será muito maior a pressão política sobre a França e a Holanda para reconsiderarem a sua rejeição (com outro referendo), se necessário com alguma revisão de alguns pontos do tratado (como sucedeu com a Dinamarca, a propósito de Maastricht); (vii) porque na inevitável negociação sobre essa matéria, terá muito mais força quem tiver procedido à ratificação.

Descubra as semelhanças

Enquanto em Espanha o Governo acaba de anunciar, em ambiente de grande pompa e circunstância, um exigente Plano Estratégico de Infra-estruturas e Transporte (PEIT), que entre outras coisa prevê a ligação de todas as capitais de província (correspondentes às nossas capitais de distrito) pela rede ferroviária de alta velocidade até 2020, entre nós questiona-se com grande soma de argumentos o lançamento de duas linhas básicas, do Porto a Lisboa e de Lisboa a Madrid.
Pobres e falhos de ambição, assim vamos nós, como quase sempre. E se pedíssemos a associação à Espanha como "comunidade autónoma de regime especial"?

Correio dos leitores: Despenalização do aborto

«Há ainda um outro motivo, fundamental, pelo qual é preciso liberalizar o aborto: para que não seja condenado o pessoal médico que realiza o aborto. Porque, não se esqueça, no tribunal de Setúbal foram absolvidas as mulheres nas quais o aborto foi realizado, mas não foi absolvida a mulher que os realizou. [Aguarda julgamento separado.] Sem despenalização do aborto, este continuará na clandestinidade, e não poderá surgir em Portugal, à luz do dia, uma oferta médica para fazer abortos (clínicas, como em Espanha).
Não basta despenalizar as mulheres. É preciso despenalizar o pessoal médico.»

Luís Lavoura

Correio dos leitores: Referendos

«"Nessa altura [de análise do processo de ratificação da Constituição europeia] só terá voz e força quem tiver tomado posição..."
Esperemos que nessa altura só tenham força e voz aqueles países nos quais a Constituição tenha sido aprovada ou rejeitada POR REFERENDO.
É que, se na França ou na Holanda a Constituição tivesse sido sujeita a aprovação meramente parlamentar, é certo e sabido que ela teria sido aprovada por uma enorme maioria dos deputados. E isso indica que, nesta questão, há um enorme desfasamento entre as opiniões públicas e as opiniões dos políticos.
O que lança uma enorme dúvida sobre a validade das aprovações da Constituição que foram feitas apenas pelos parlamentos - ou seja, sobre a maioria das aprovações até agora.»

Luís Lavoura

Comentário
A validade das aprovações por via parlamentar não está em causa. Provavelmente muitas outras leis aprovadas pelos parlamentos em todos os países não seriam aprovadas em referendo (e vice-versa). So what? O tratado não exige a sua própria aprovação por referendo; e nas democracias representativas a regra é a decisão parlamentar e não o referendo. Há países, como a Alemanha, onde nem sequer está previsto o referendo. Por isso, o peso dos países na reconsideração da constituição europeia não deve depender do modo da sua votação.
O problema dos referendos sobre textos globais de grandes diplomas é a sua aleatoriedade e imprevisibilidade e a sua vulnerabilidade às circunstâncias correntes. Se o mesmo referendo fosse realizado em circuntâncias económicas e sociais menos deprimidas, talvez o resultado pudesse ter sido completamente diverso. Será que essa possibilidade inquina a validade dos referendos realizados? Claro que não.

Citação: Professores

«Infelizmente, é possível. Quem aspira hoje a ser professor em Portugal só não conseguirá um diploma se for completamente mentecapto. As universidades e as escolas ditas superiores de educação (saúdo daqui as raríssimas excepções!) passam quase toda a gente. É uma surda (e absurda) conspiração contra o país, cujo preço pagaremos por muitos e muitos anos. Desgraçadas das nossas crianças, desgraçados dos nossos filhos...» (Ademar Ferreira dos Santos).

O general perdido numa revolução que ele não queria

Caro Luciano Amaral
Embora eu não me veja bem encaixado na categoria da "esquerda ideológica" (não por causa da "esquerda" mas por causa do "ideológica"...), não me sinto ofendido pela qualificação. Se lhe dá jeito, use à vontade. Também considero irrelevante o que eu terei escrito ou declarado em 1974: do que se tratava era de saber o que é que eu disse do seu artigo...
Vamos a dois ou três pontos onde a nossa divergência é patente.
Quem é que v/ queria que substituísse o pessoal do Estado Novo nos municípios e nos sindicatos, se não as forças políticas que vinham da oposição e que tinham gente no terreno (MDP, PCP, PS, esquerdistas)? A alternativa era deixar tudo como estava, como pretendia Spínola?
A minha alegada intransigência em relação ao general tem a ver sobretuto com duas coisas: primeiro, ele ter aceito o cargo de presidente provisório de uma revolução que não fizera e que não estimava e que queria reduzir a um "aggiornamento" moderado do regime autoritário (para além da sua peregrina tese federalista para a questão colonial...); segundo, ter sido o seu aventureirismo e a sua megalomania que proporcionaram ao esquerdismo e ao PCP a radicalização revolucionária de que a revolução bem poderia ter prescindido.
Com os melhores cumprimentos
Vital Moreira

segunda-feira, 11 de julho de 2005

Nem só a prisão é pena

Mais uma absolvição num caso de processo por crime de aborto. Não faltará outra vez o argumento sacripanta dos que vêem nisto uma prova de que não é preciso despenalizar o aborto, já que ninguém é condenado por ele.
Esquecem, porém, algumas coisas essenciais: (i) nem sempre será possível a absolvição por falta de provas, por maior que seja a boa vontade de juízes e do Ministério Público; (ii) tanto ou mais penalizador do que a condenação é a humilhação pública da investigação penal e do julgamento a que são submetidas as vítimas; (iii) uma norma penal cuja não aplicação ninguém lamenta, pelo contrário, não merece continuar a figurar no Código Penal, por não cumprir os requisitos mínimos da punição penal, que é a conciência social da punibilidade dessa conduta.

Citações: "A República e as corporações"

De um oportuno artigo de Jorge Miranda no Público do dia 9, com o título em epígrafe (infelizmente indisponmível on line), destaco a seguinte passagem:
«Os juízes, os magistrados do Ministério Público e quantos trabalham nos tribunais (não raro em condições precárias) merecem todo o respeito. No entanto, justamente por isso, eles devem dar-se ao respeito, não fazendo declarações, movimentações e ameaças de greve que contrariam o seu estatuto constitucional de titulares de órgãos de soberania. Então os órgãos de soberania podem fazer greve? Admiti-lo, admitir as formas de luta que alguns juízes reclamam, equivaleria a pôr em causa o próprio Estado.
A este propósito, vale a pena perguntar se, em vez da redução das férias judiciais, outra providência legislativa não deveria ser adoptada: a proibição absoluta de qualquer juiz ou qualquer magistrado do Ministério Público desempenhar funções estranhas aos tribunais. E isso não tanto por causa da multiplicação de processos quanto por imperativo de dignidade das respectivas funções. Como conceber um juiz - que deve ser isento politicamente e independente - a assumir cargos políticos ou de confiança política? Não representa tal o contrário da atitude que os deve marcar? E como conceber que depois voltem à carreira e até, por vezes, venham a ser promovidos?»

Polémica sobre um general na Revolução

Luciano Amaral (LA) no Acidental e Rui A. no Blasfémias contestaram o meu comentário aqui na Causa Nossa a um artigo do primeiro publicado no Diário de Notícias, sobre o papel do General Spínola na Revolução.
Importa corrigir e refutar algumas das suas observações.
Começo por asseverar que não tive nenhuma intenção malévola na minha referência a LA como representante da "nossa direita ideológica". É assim que o vejo, mas se ele faz questão disso, eu não insisto. Importam-me os factos e os argumentos e não as pessoas ou as suas filiações ideológicas.
Continuo a não perceber como é que se pode dizer, como diz LA, que não se sabia muito bem "o que pretendia Spínola" e simultaneamente prescindir de mencionar e analisar um episódio relevantíssimo, como foi o que ficou conhecido como "golpe Palma Carlos", de onde resulta claramente o que ele quis efectivamente.
Não comento o desvelo com que LA ensaia compreender o "ponto de vista" de Spínola. A única coisa que contestei foi a omissão de uma das suas atitudes, que revela o seu propósito de desvio do processo de transição democrática em favor de um projecto de poder pessoal. Não escrevi, nem penso, que Spínola queria reinstalar o "fascismo". O que quis dizer, disse-o. Falei, sim, em "autoritarismo plebiscitário". Não fica bem a LA imputar-me noções que eu não utilizei.
Contrariamente ao que, por sua vez, diz Rui A., Spínola não foi afastado. Manteve-se como Presidente mesmo depois de fracassado o projecto Palma Carlos (que levou à demissão deste, que ele aceitou), assinou pouco depois a lei constitucional que abriu caminho à descolonização (que ele rejeitava), convocou a manifestação da "maioria silenciosa" em Setembro e demitiu-se na sequência do seu fracasso; mais tarde, desencadeou e perdeu o golpe armado do 11 de Março de 1975. Todas as suas derrotas foram causadas por movimentações suas, tendo ainda por cima proporcionado à extrema-esquerda e ao PCP ocasiões de ouro para conquistarem posições. Verdadeiros tiros pela culatra. Spínola foi o principal fautor do falhanço do seu projecto de contenção da revolução.
Apesar da contestação de uma facção radical militar e civil, claramente minoritária, as eleições para a Assembleia Constituinte realizaram-se dentro do prazo previsto. Mas sabemos, porque fazia parte do plano, que se o projecto Spínola - Palma Carlos tivesse vingado, então sim, essas eleições teriam sido adiadas indefinidamente!
Não são permitidas grandes dúvidas do que teria sido o regime político saído do "projecto Palma Carlos", caso ele tivesse triunfado. Seria seguramente tão pouco democrático como o general que o inspirou, que não tinha um grão de convicção democrática. Sabemos o que se passou por causa dos três golpes falhados de Spínola e seus apoiantes. Mas nunca saberemos o que se teria passado se Spínola não tivesse lançado nenhum desses golpes. Teria havido Vasco Gonçalves? Teria havido nacionalizações? Teria havido o Verão quente de 1975?
Eu não pretendo "branquear" nenhuma força política, como acusa LA. Pelo contrário, limitei-me a dizer que os golpes falhados de Spínola abriram a via para uma radicalização da revolução, que provavelmente não teria existido sem eles. Ao contrário do que afirma levianamente Rui A, eu não era nessa altura, nem nunca fui, dirigente destacado (nem por destacar...) do PCP, a cujos órgãos directivos nunca pertenci (tendo recusado duas vezes pertencer ao Comité Central). Seja como for, os factos históricos são o que são, tenhamos ou não participado neles, e não é por certos episódios terem beneficiado certas forças políticas que eles deixaram de existir.
Ah, já me esquecia, nenhum dos meus contendores contestou os factos que motivaram o meu comentário! Fique então a nossa divergência limitada à interpretação deles. É um ganho. Por isso polémica valeu a pena.

Serviços religiosos do Estado!?

Num artigo sobre uma possível "externalização" de funções sociais do Estado o Jornal de Negócios inclui nessa categoria «a educação, a saúde, a segurança e a acção sociais, a habitação e serviços colectivos e, por fim, os serviços culturais, recreativos e religiosos».
Num Estado laico a existência de serviços religiosos do Estado é uma contradição nos termos. Mesmo nos serviços públicos onde pode haver necessidade de assistência religiosa (hospitais, prisões, forças armadas, etc.) ela deve ser uma tarefa das igrejas e não do Estado. Este deve permitir e facilitar o desempenho dessas missões, mas não deve, nem pode, ocupar-se delas. É inaceitável que uma distinção tão elementar quanto esta continue sem ser observada em Portugal, mesmo no caso de governos de quem seria de esperar maior fidelidade aos princípios constitucionais nesta matéria...

Nem tudo corre mal na Europa

Nem por ser esperada deixa de ser menos animadora a aprovação da Constituição europeia no referendo luxemburguês. Trata-se antes de mais de uma vitória pessoal do primeiro-ministro Juncker, que apostou o seu lugar no êxito do referendo. Em segundo lugar, trata-se de uma vitória dos que não se conformaram com o prematuro "enterro" do tratado constitucional por causa dos "chumbos" na França e na Holanda.
Neste momento o tratado já foi aprovado por uma maioria de Estados-membros. E quantos mais o fizerem, melhores condições terão para fazer valer a sua posição quando for do apuramento político que se fizer daqui a um ano sobre o que fazer da Constituição europeia. Nessa altura só terá voz e força quem tiver tomado posição...

sexta-feira, 8 de julho de 2005

Correio dos leitores: Deseucaliptização

«A ideia do Plano Nacional de Deseucaliptização seria até uma boa ideia, se não fosse constituir ela, de certo modo, uma forma perversa de benefício do poluidor/utilizador. Em devida altura, a maioria dos especialistas florestais e arquitectos paisagistas portugueses (posso citar pelo menos os Prof. Ribeiro Telles, Caldeira Cabral e o presidente da Estação Florestal Nacional) alertaram para a constituição de um enorme "passivo" que a subsidiação à plantação de eucaliptos iria legar, sob a forma de terrenos desmineralizados, erodidos. Esse "passivo" é hoje já bem visível por quem ande nas zonas "marginais" de plantação, onde os eucaliptos já nem sequer são colhidos (vide encostas da barragem do Fratel, por exemplo). A prazo, é reconhecido que a maioria das plantações de eucaliptos virão a ser pouco económicos, sobretudo tendo em conta a sua exaustão e a abertura de novas plantações, mais rentáveis, noutros países. Nessa altura, com que cara poderá o Estado português obrigar os utilizadores da terra a reporem a situação inicial em termos de produtividade do solo?
Palpita-me que o Plano de Deseucaliptização, a existir, não será pago pelos devidos.»

(Pedro Martins Barata, Presidente da Euronatura - Centro para o Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, Lisboa)

Correio dos leitores: As SCUT

«(...) Sobre este assunto [auto-estradas SCUT] deveria ter em conta que:
1. qualquer opinião é uma opinião (viva La Palice), nomeadamente a sua, a do P[rimeiro] M[inistro], do arrumador de carros da minha rua, ou a minha;
2. citar o que o PM diz sobre as Scut's deveria ser transcrever tudo, nomeadamente "...e enquanto não houver alternativa válida." (senão... viva a Demagogia);
3. deveria publicar a análise económica/financeira da introdução de portagens nas Scut's versus gratuitidade, que sustenta, presumo, a sua opinião.»

(F. H. Gonçalves)

Comentário
1. Ter opiniões é fácil, mais difícil é ter opiniões fundadas;
2. Julgo ser manifesto que em geral as estradas alternativas às SCUT não são piores do que as das outras auto-estradas, a começar pela A1 (em caso de dúvida, basta tentar o percurso Coimbra-Aveiro...);
3. O estudo da conversão das SCUT em auto-estradas portajadas foi efectuado e publicado pelo ex-ministro António Mexia, não tendo sido contestado. Também não são contestados os números sobre os encargos orçamentais das SCUT, pagos por todos os contribuintes. De resto a razão para manter as SCUT é política e não "técnica".

Liberdade e responsabilidade

Se um jornalista publicar como verídica uma história que ele mesmo inventou, deverá essa infracção dontológica ser sancionada? Eis o tema do meu artigo desta semana no Público, agora recolhido na Aba da Causa, como habitualmente.

O mundo não está está mais seguro

No final da semana passada estive em Londres, numa delegação do Parlamento Europeu que foi discutir com os Ministros Jack Straw e Douglas Alexandre, com parlamentares e com funcionários do Foreign Office, o programa da presidência britânica da UE. Ficamos num hotel em Westminster, a dois passos de Downing Street e do Parlamento. E durante os trajectos a pé entre as reuniões - caminhos que eu conhecia de cor, do meu trabalho na embaixada em Londres entre 1991 e 1994 - não pude impedir-me de pensar como aquela zona seria alvo prioritário de um ataque terrorista para qualquer grupo "franchised" da Al Qaeda. E também de admirar, ao mesmo tempo, como as medidas de prevenção e controle adoptadas pelas autoridades - que sabiam tal ataque inevitável - não haviam coarctado a liberdade de circulação na zona, nem obstruído as entradas nos edifícios públicos, incluindo o Parlamento.
A experiência de viver em Londres na época dos ataques bombistas do IRA e sobretudo depois, na Indonésia onde já operava a Jemaah Islamyia, ligada à Al Qaeda, tornaram-me particularmente sensível à necessidade de lutar contra o terrorismo por todos os meios, incluindo policiais e militares (e a cooperação internacional na «intelligence» é o mais fundamental instrumento e muito há ainda a fazer, designadamente no plano europeu). Não se trata da «guerra ao terrorismo» primária, ineficaz e contraproducente que a Administração Bush propagandeia. Trata-se de lutar inteligentemente - o que significa compreender que a ameaça é global e que o desafio é sobretudo político e ideológico - e daí que a política externa da Europa, dos EUA e de todas as democracias ocidentais tenha uma importância acrescida. Porque não se pode fazer o jogo dos terroristas, em casa ou fora dela, em Guantanamo, Abu Grahib ou em Nova Iorque (onde uma jornalista do NYT foi hoje detida por recusar violar o segredo profissional, denunciando fontes).
Por isso, entre outras razões, fui muito crítica da invasão do Iraque. Intui-lhe o impacte devastador, ao instigar a propaganda dos terroristas e fornecer-lhes mais recrutas por todo o mundo islâmico (incluindo o residente na Europa), além de mais terreno para actuar (a própria CIA então também avisou e ainda recentemente confirmou a materialização desses prognósticos no Iraque). E ao minar-nos as democracias, o Estado de direito, o direito internacional, de dentro e por dentro.
E por isso, também, logo critiquei o desvio das atenções e dos meios militares, policiais, diplomáticos, económicos e outros da eliminação de Osama Bin Laden, dos seus seguidores e dos seus anfitriões taliban no Afeganistão e Paquistão. Desvio que a invasão do Iraque implicaria, como implicou. E a recuperação terrorista no Afeganistão aí está, o pobre Karzai confinado a oficiar em Cabul, os senhores-da-guerra de novo a dominar o país, transformado, segundo peritos da NATO, numa enorme base de ADMs assestadas à Europa: o ópio, de onde é extraída 90% da heroína infiltrada nos mercados europeus.
Responsabilizei e responsabilizo a Administração Bush, mas também Blair, Aznar, Berlusconi , Barroso, Balkenende e todos os aqueles que arrastaram ou deixaram arrastar o mundo para a aventura do Iraque e desviaram o foco do Afeganistão. Por desvalorizarem as desastrosas consequências no fomento do terrorismo que tantos anteciparam. Por não cuidarem antes de, por outro meios, ajudar os iraquianos a livrarem-se do odioso regime de Saddam. E por abrirem caminho ao ataque e ao questionamento dos valores democráticos nas sociedades ocidentais.
Mas isso não me impediu, desde então, de também expressar o meu apoio a outras políticas ou posições de uns ou outros, se as entendi justas e positivas. É o caso do que o PM Blair pretende na reestruturação orçamental da UE ou nas suas propostas para o combate à pobreza e ajuda ao desenvolvimento, ou contra o aquecimento global que levou ao G-8. Quaisquer que tivessem sido as suas motivações.
A independência crítica, que espero nunca perder, não é compreendida por quem veja o mundo a preto e branco ou dividido em clubes políticos ou futebolisticos. Ainda ontem, um colega (socialista, português) brincava comigo, estranhando que eu pudesse ora criticar duramente Tony Blair, ora apoiá-lo. E insistia que graças a Blair e ao seu patrocínio da invasão do Iraque «o mundo estava agora mais seguro!». Contestei, atirando-lhe "Espere pela "bomba suja" que, mais dia menos dia, algum grupelho afiliado à Al Qaeda deflagrará algures nesse mundo! Espere pelo próximo ataque bombista contra os EUA ou qualquer alvo europeu!...".
Tragicamente, nem 24 horas passadas, o meu presságio confirmava-se: as ruas de Londres onde eu ainda há dias passeava à chuva, tornavam-se cenário de mais uma bárbara retaliação terrorista.

Terror, com terror se paga?

Mais uma vez o horror. A cobardia do terrorismo. Em Londres, agora. Custa-me ainda mais, confesso, do que o que sofri com e pelos infelizes iraquianos, que imaginei aguardando os ataques dos aviões americanos em 2003 e sei sob permanente ameaça terrorista desde então. Porque me atinge pessoalmente. Porque, como antes em Nova Iorque ou Madrid, foi numa cidade que faz parte da minha vida. Ali vivi bem, anos felizes. Ali tenho tantos, tantos amigos. Que ainda não sei se sobreviveram.
Choque. Tristeza. Solidariedade com o povo britânico. E muita raiva - com vários destinatários, mas antes de mais contra os instigadores dos bombistas.
E, também, tremenda admiração pela extraordinária fibra combativa e desafiadora dos londrinos. Que amanhã voltarão aos aeroportos, portos, estações de comboio, metros, autocarros e ruas, como disse o Mayor Ken Livingstone. Porque percebem que não se pode fazer o jogo dos terroristas, que visam aterrorizar-nos a todos e por-nos a destruir a democracia, o Estado de direito e os direitos humanos em particular. E por isso se empenham em provar que terror se deve antes de mais pagar com destemor.

quinta-feira, 7 de julho de 2005

Reescrever a história

A nossa direita ideológica insiste em rever a história do 25 de Abril e do período revolucionário. Desta vez é Luciano do Amaral que, num artigo no Diário de Notícias sobre o papel do general Spínola, omite aquilo que ficou conhecido por "Golpe Palma Carlos" (13 de Julho de 1974), do nome do primeiro-ministro do I Governo provisório que o congeminou, mas cujo projecto recebeu todo o apoio do então presidente da República, Spínola, e correspondia obviamente aos desígnios deste.
Ora esse plano constituía uma total subversão do programa do MFA quanto à transição democrática, cuja peça fundamental era a eleição de uma assembleia constituinte no prazo de um ano, como veio a suceder, mantendo-se até lá instituições provisórias de poder político. A manobra spinolista passava pelo imediato plebiscito de uma constituição provisória (proposta, é claro, pelo próprio...) e do próprio Spínola como presidente da República, com o consequente adiamento indefinido das eleições para a assembleia constituinte e da Constituição e a emergência pessoal do Presidente da República (ou seja, Spínola) como único poder "legítimo", sem qualquer contrapoder.
Tratava-se caracterizadamente de um modelo de autoritarismo plebiscitário de tipo "sidonista", tendente a legitimar a concentração do poder no general e no restrito "grupo spinolista", tal como ele desejara desde o início, com a sua intempestiva proposta de dissolução do MFA. Que a ordem política spinolista não seria propriamente generosa em matéria de liberdades é fácil saber pelo que já se conhecia das suas reticências sobre a legalização dos partidos políticos e sobre o direito à greve, por exemplo. Dar a entender que Spínola representava a "democracia ocidental" é, portanto, uma pura mistificação.
Sendo estes factos conhecidos, dizer que "ninguém sabe bem o que pretendia Spínola", como escreve LA, não faz nenhum sentido. Convencido de um grande apoio popular (que não tinha), ele nem sequer fez grande segredo do que queria, nem em Julho de 1974, nem em Setembro do mesmo ano, nem em Março do ano seguinte. A história da radicalização da revolução é a história dos golpes mal-sucedidos de Spínola...

Contradições

O PSD tinha acordado com o PS realizar o referendo sobre o tratado constitucional europeu em simultâneo com as eleições locais, apesar de isso implicar uma prévia revisão da Constituição, que actualmente proíbe tal concomitância. Mas agora defende que o referendo da despenalização do aborto nem sequer deve ter lugar entre as eleições locais e as presidenciais -- o que a Constituição obviamente não proíbe --, por entender que os referendos não devem ocorrer na proximidade de eleições!
Qual é a lógica desta manifesta contradição? É simples: o PSD queria o referendo europeu e não quer o referendo sobre a despenalização do aborto...

O regresso da alQaeda (2)

Tem menos de 2 meses a última ameaça pública da alQaeda a Blair, anunciando um "próximo [evento] enorme e espectacular" (link via J. M. Sardo). Tragicamente "espectacular"!...

O regresso da AlQaeda

Desde o início se sabia que o Reino Unido figurava à cabeça dos alvos da organização terrorista islâmica, por causa do seu papel na guerra do Iraque. O que se não esperava é que fosse possível concretizar um ataque com as dimensões do de hoje em Londres, contornando os serviços de informações e as medidas de segurança que deveriam estar em alerta reforçado, sobretudo depois do atentado de Madrid de há um ano.
Como se já não bastassem os problemas com que se debate -- dificuldades económicas, crise de confiança política --, a Europa tem agora de assumir que a ameaça terrorista é ainda mais grave do que se temia. A pior coisa que se poderia recear era o regresso do terrorismo à agenda política europeia. Infelizmente ele aí está, com as muitas vítimas inocentes que causa e a insegurança que gera.

Cacofonia

A indefinição que ficou no ar nos últimos dois dias sobre a política fiscal nos próximos anos, designadamente sobre uma ulterior subida de impostos, é assaz infeliz. O Primeiro-ministro e o ministro das Finanças só podem ter uma voz nesta matéria.

Não tem sentido...

... a indefinição sobre os futuros aumentos de remuneração dos funcionários públicos, que o Primeiro-ministro anunciou deverem ser "parcimoniosos". Alguém de bom senso pensa que na situação de aperto das finanças públicas há condições para subidas acima da inflação?