segunda-feira, 22 de agosto de 2005

A luz amarela de Coimbra

Esta noite o fogo entrou na cidade. Agora, de manhã, a luz é amarela e a visibilidade reduzida; o ar está carregado de fumo e as varandas cobertas de fuligem. Ouvem-se helicópteros cruzando a cidade, provavelmente combatendo os incêndios com água colhida na albufeira do Mondego. Risco de uma cidade em grande parte rodeada por florestas, com várias povoações suburbanas e extensões urbanas espalhadas entre pinhais e eucaliptais. Em anos mais críticos o fogo não limita o seu território...

Tomar os desejos por realidades

Há quem já veja nos blogues um "quinto" poder -- ou mesmo um "sexto" poder, conforme as contagens ... --, a par dos media tradicionais, funcionando como "watchdog" do poder político, ou mesmo do poder mediático. Mas essa visão sobre o impacto desse novo poder emergente parece manifestamente exagerada, pelo menos por ora, sendo conveniente manter alguma prudência na avaliação do poder dos blogues entre nós.
Descontados os blogues dedicados ao desporto e ao sexo, são muito poucos os blogues com alguma notoriedade; e vários deles devem o seu impacto essencialmente ao conhecimento público dos seus autores fora da blogosfera. E não é a repercussão efémera de abaixo-assinados colectivos, em arremedo de movimento cívico, que vai alterar significativamente as coisas...

Responsáveis

É claro que a prolongada seca, as elevadas temperaturas, a baixa humidade, os fortes ventos, tudo isso contribui decisivamente para o flagelo nacional que têm sido este ano os incêndios florestais. Mas sem a pilha combustível que são as florestas nacionais -- e que vem sendo construída desde que há mais de um século se resolveu florestar baldios e serranias com pinheiros bravos e, mais tarde, com eucaliptos para as celuloses --, tudo seria diferente. E por mais que sejam os recursos gastos no combate aos fogos, nada mudará sem mudar a floresta.
Mas onde está a vontade e a determinação política para o fazer?

Mahler

Muitas vezes queixo-me de que há palavras a mais na Antena 2. Mas, anos a fio, nunca pensei isso dos programas de António Cartaxo. Nesta altura, todos os domingos de manhã, as suas "histórias da música" são dedicadas a Gustav Mahler -- a grande música que ele compôs e a dos outros compositores que ele dirigu à frente da orquestra sinfónica de Viena. Para os admiradores de Mahler, como eu, não pode haver melhor companhia.

domingo, 21 de agosto de 2005

Etiópia - o génio fora da garrafa

Estou de volta à Etiópia, pela sétima vez desde meados de Março. Na «Aba da Causa» está um texto «Etiopia - o génio fora da garrafa» que escrevi e foi publicado em Maio no «COURRIER INTERNACIONAL». Vivia-se então um tempo de muita esperança - nas eleições de 15 de Maio mais de 90% dos cidadãos apareceram a votar porque indubitavelmente querem a democracia no seu país. E o que fez a diferença foi a presença internacional - em que a missão de Observação Eleitoral da UE, que eu chefio, foi a mais substancial.
O processo entretanto complicou-se, como eu já então temia e deixei aflorar no final do artigo. E por isso tive de continuar a voltar. E por isso não posso escrever mais...por ora. Direi apenas que ainda não conseguiram aqui re-engarrafar o génio da Democracia.

Correio dos leitores: Pampilhosa

«Às terras da Pampilhosa da Serra ligam-me os laços de família, das recordações dos seus verdes a perder de vista, das suas gentes simples e boas talhadas à imagem da rudeza das pedras.
Onde sobrevivem tendo tudo, no quase nada que a sociedade ?próspera do litoral" lhes proporciona. Onde o comboio não chegou, onde quase lhe quiseram tirar a ?carreira?, onde ninguém passa para dar notícia que existem.
Hoje, contudo, é Verão, lembraram-me as imagens, muitas, dos meios de comunicação social. Porque no Verão a Pampilhosa da Serra existe, enche os noticiários, preenche a nossa revolta esquecida desde o último Verão.
Agora aguardemos o próximo Verão, esquecendo que ela existe no Outono, no Inverno e na Primavera.
(...) Até lá, nós, os donos de quase tudo, esqueceremos que os meios são (ou não são) suficientes, se se deve ou não declarar a calamidade, se se limparam ou não as matas, se se abriram ou não os asseiros, se as florestas estão ou não ordenadas.
Discutiremos, calados, o que vamos dizer que deveríamos ter feito, quando as chamas irromperem no próximo Verão.»

Rui Silva

CNN - Iraque - «inteligência» em cheque

Vale a pena ver a reportagem que a CNN está hoje a passar sob o título «Dead wrong: inside an intelligence meltdown» (próxima exibição deve ser à 1 da manhã de Lisboa) . Sobre a invasão do Iraque - e de como a banda de Bush, com o VP Chenney e Donald Rumsfeld à cabeça - torceram a «inteligência» (e o capacho que George Tenet, o patrão da CIA designado ainda por Bill Clinton, revelou ser) para «make their case for war» na base da falsa alegação da existência das ADM.
Interessante ouvir diversos testemunhos, mas em especial David Kay - o inspector da CIA que se demitiu depois de concluir, em finais de 2003, que afinal não havia ADM - e que põe o dedo na pior ferida: com magnos problemas neste campo pela frente (Coreia do Norte, Irão, as ADM que a Al Qaeda procura alcançar, etc...) como é que alguém mais no mundo vai acreditar nas alegações dos EUA ?
Interessante ouvir Lawrence Wilker, o Chief of Staff de Colin Powell, aldrabado por Tenet e empurrado pela banda de Bush para fazer a triste figura que fez no Conselho de Segurança a vender banha- da- cobra, incluindo o famoso urânio alegadamente comprado ao Niger por Saddam... Diz que ele que o General até ao fim dos seus dias vai amargar essa... E conta que o papel que a CIA enviou a Powell para base da sua solene intervenção na ONU mais parecia «um menu chinês» que um «intelligence report» .
Interessante ouvir membros do Congresso escandalizados com o «black hole» que descobriram ser afinal a informção sobre o Iraque e com o facto de a CIA nunca sequer ter procurado confirmar a credibilidade de «Curve Ball», o informador iraquiano que afiançava haver laboratórios de armas biológicas em camiões e cuja idoneidade era zero...
Interessante as patéticas contradições entre o que a Sra. Rice foi sucessivamente dizendo - ou de como a fidelidade a um morcão faz uma mulher, apesar de tudo inteligente, parecer parva...
Interessante ainda que o VP Chennney se tenha recusado a ser entrevistado para a reportagem da CNN.
O mais interessante, porém, é o final da reportagem - o novo patrão da CIA, John Negroponte, tem enormes responsabilidades - entre elas recuperar a credibilidade para a Agência - mas menos poderes e dinheiro.Vai ter de afrontar (já começou, diz a reportagem) a banda dos Cheney,Rumsfeld, Roves e quejandos. Mas tudo vai depender para que lado vai pender o veraneante Bush - cujo equilibrio não é ... brilhante (como se viu até pelo seu pedalar contra umn polícia no G-8 na Escóscia...).
É por reportagens destas e por outras que, apesar de tudo, eu gosto de ver a CNN. Como gosto, e muito, da América. E por isso não gosto da banda de Bush.

PS - Ou será que a CIA de Negroponte encomendou esta reportagem à CNN já como parte do braço de ferro? Não seria a primeira vez...

sexta-feira, 19 de agosto de 2005

Privilégios

Também eu subscrevo o artigo do Prof. Jorge Miranda no «Público» de hoje.
Moralizar e tornar menos arbitrários e opacos remuneração e benefícios dos gestores públicos é tanto mais urgente quanto se pedem sacrifícios aos funcionários da Administração Pública. E quando muitos desses "gestores públicos" são, de facto, políticos em «reciclagem». Tão especialistas em gestão quanto eu... E todos dependem sobretudo de compadrios pessoais com políticos no poder - mesmo quando vêm da «oposição». O «centrão» é mesmo o pântano.

Abaixo de qualquer nível

O novo Ministro das Finanças -- que, recorde-se, passou a ganhar como ministro um terço do que ganhava como presidente da CMVM e que não acumula com nenhuma pensão ganha à pressa no Banco de Portugal... - está a ser mesquinhamente criticado por receber um subsídio de alojamento em Lisboa, como é direito seu, visto que reside com a família no Porto.
Por vezes, pode haver muita falta de nível no combate político!

Adenda
O mal é haver, por excepção, uns ministros vindos de fora de Lisboa e arredores. Só trazem mais despesa. Um Governo 100% lisboeta era mais barato. Sócrates deveria pensar nisso...

Por sarar...

... estão as feridas abertas no PS francês pela divisão quanto ao referendo do tratado constitucional europeu. Numa entrevista ao Nouvel Observateur, Michel Rocard -- antigo líder do PS e também primeiro-ministro, que defendeu o sim à constituição europeia --, declara que, se Fabius e os seus ganhassem o próximo congresso, a realizar ainda este ano, poderia justificar-se uma ruptura e a criação de um novo partido, que assumisse uma posição explicitamente social-democrata e europeia. «Mais vale a cisão do que a confusão» -- remata ele.
Quando celebra justamente um século da sua criação (1905), o PS francês parece reeditar a divisão ideológica que presidiu à sua formação, representada respectivamente pelo reformismo social-democrata de Jean Jaurès e pela orientação marxista de Jules Guesde.

Só se for na oposição

A propósito da crise política brasileira, Boaventura Sousa Santos, na sua coluna desta semana na Visão, assume como encerrado o "lulismo" -- que ele caracteriza como «o máximo disfarce histórico do neoliberalismo nos últimos 20 anos»... -- e defende a possibilidade de um "pós-lulismo progressista", mediante um retorno ao "petismo" originário.
A mim parece-me que quem sai especialmente ferido desta crise é o próprio PT em geral -- muito mais do que o Presidente, que mantém um amplo apoio social -- e que a tentativa de resposta à crise mediante uma viragem à esquerda da política económica e financeira do Governo só poderia ser mal-sucedida, desde logo por falta de apoio parlamentar suficiente.

Moléstia contagiosa

Agora é o Aviz de Francisco José Viegas que se vai embora. Que moléstia deu nos blogues de escritores?

Os predicados do embaixador

«President Bush nominated Florida real estate developer Al Hoffman in July 2005 to serve as ambassador to Portgual. The post had previously been held by Mississippi venture capitalist John Palmer.
The founder and chairman of Watermark Communities, a Bonita Springs-based luxury condo development firm, Hoffman has a long history of helping members of the Bush family win high office. In addition to serving as finance chair of Jeb Bush's 1994, 1998 and 2002 gubernatorial campaigns, Hoffman headed the Florida fundraising efforts for both of George W. Bush's presidential campaigns. Hoffman, who owns an island near the Bushes' Kennebunkport estate in Maine, has also served as finance chair of the Republican National Committee.»

(via Contra Factos & Argumentos).

Privilégios

«Faz sentido, em caso de interrupção do mandato de qualquer gestor [público] por acto do Governo, que ele tenha direito a uma "indemnização", calculada em termos muito favoráveis e, não raro, de montante elevado? Faz sentido que alguém que aceita um cargo, com base na confiança ou até na identificação com o Governo, quando deixa de a ter, venha a ser, por isso, ressarcido? Faz sentido que um gestor, afastado nessas circunstâncias, receba uma indemnização, quando não a recebem, por exemplo, o procurador-geral da República ou os chefes de Estado-Maior das Forças Armadas, se demitidos a meio dos respectivos mandatos?» (Jorge Miranda, Público de hoje).
Subscrevo. Há muito que contesto essa situação.

Lugares de encanto

Santa Cruz da Graciosa, Açores, Julho 2005.

Lula & PT

Aparentemente, Lula da Silva pode sair relativamente incólume do escândalo do "mensalão" (pagamentos a deputados de outros partidos para apoiarem o Governo), dado não haver até agora nenhum indício de envolvimento ou conhecimento seu. O que, porém, está definitivamente prejudicado é o ethos político e moral do PT, bem como as condições de coabitação entre a ala esquerdista, que quer voltar à pureza originária do partido e denunciar a política "neoliberal" do Governo, e ala moderada, que tem pautado a linha de rigor financeiro e de prudência da política económica, que seguramente o Presidente não vai abandonar.
Se Lula sempre valeu mais do que o PT -- sendo a insuficiência da representação parlamentar deste a principal razão para a necessidade da heteróclita coligação que Lula teve de patrocinar no Congresso --, depois desta crise a diferença da base política de ambos passará a ser ainda maior. Como é que esta situação pode assegurar condições de governabilidade no futuro, eis o que resta ver.

quinta-feira, 18 de agosto de 2005

A herança de Roosevelt

Faz agora 70 anos que o Presidente Roosevelt assinou a lei que criou o incipiente sistema de segurança social norte-americano. O liberal The Economist lembra o facto, sem anátemas. Os neoliberais, esses, vêm aí o princípio do "socialismo" nos Estados Unidos...

Fora do Mundo

O Fora do Mundo acabou. Surpreendo alguém se disser que vou sentir muito a falta dos posts de Pedro Mexia?

"Evidências"

No que seria um divertido artigo (se não fosse tão sério), Nuno Gaoiso Ribeiro enumera uma série de falsos amigos que vão fazendo sucesso nos meios de comunicação em geral. Junto mais este ao rebanho, frequente em textos de destacados colunistas de um prestigiado jornal: "evidências" em vez de provas, referindo-se a processos judiciais em curso. Não partilhando (tal como NGR) qualquer fundamentalismo linguístico, neste caso, não há nada que justifique tal mudança.

Serviço público...

Na última edição da conversa semanal com António Vitorino, J. Rodrigues dos Santos voltou a dizer, como é seu hábito, "não tem a haver com...", quando queria dizer "não tem a ver com...", o que é um erro inadmissível num profissional do seu gabarito. Também voltou a atacar na RTP o publicitário do anúncio do Euromilhões insistindo em exaltar as "chentricidades" que a fortuna pode proporcionar.
Para uma televisão de serviço público são seguramente ex-cen-tri-ci-da-des linguísticas a mais...

Despautérios linguísticos

«Se "a minha pátria é a minha língua" estamos, definitivamente, perdidos. É alucinante como os media, que diariamente nos inundam sem pedirem sequer licença, têm desnudado a iliteracia que jorra dos depósitos da nossa ignorância colectiva.» Eis um excerto ("cherto", em lisboetês) da elucidativa crónica de Nuno Gaioso Ribeiro no Diário Económico sobre os tratos de polé a que o Português anda sujeito nos media.

Que país, este!

«Queixamo-nos, com razão, de falta de capital, de formação profissional, de produtividade, de espírito empresarial - tudo razões para explicar os nossos inêxitos no campo do desenvolvimento económico. Mas falta-nos ainda mais educação ambiental, civismo, responsabilidade pessoal e respeito pelo património colectivo. Enquanto esse défice de educação e de carácter não for superado, Portugal nunca pode deixar de ser aquilo que continua a ser: um país feio, sujo e desordenado para além de toda a escala admissível na Europa.» (Excerto do meu artigo desta semana no Público, agora também disponível na Aba da Causa).

As vítimas colaterais do contraterrorismo

Como se suspeitava, confirma-se agora que a polícia londrina inventou uma históra para esconder as suas culpas na morte a tiro do brasileiro precipitadamente confundido com um terrorista. Na luta antiterrorista não pode valer tudo, muito menos a execução sumária de pessoas inocentes, apanhadas no local errado no momento errado!

O apelo do Brasil

«A minha maior ambição (...) é vir a ser um dia um bom brasileiro» - José Eduardo Agualusa, Jornal de Letras.
O escritor angolano, de ascendência portuguesa, não é seguramene o único a sentir esse apelo. O que é que o Brasil tem, para exercer essa (crescente) atracção no espaço lusófono? Quem já a sentiu, percebe!

Guia de Portugal

Há umas três ou quatro décadas, quando me dei como tarefa tentar conhecer bem o país, tinha eu como obrigatório vademecum de viajeiro o velho Guia de Portugal, organizado por Raul Proença, com a colaboração de inúmeros autores, publicado em vários volumes nos anos 20 do século passado (reeditado pela Fundação Gulbenkian nos anos 80). Continuo a ter uma enorme estima por essa obra, que conto entre aquelas a que devo muito do que sei sobre Portugal. Por isso, é com alegria que tomei conhecimento, pelo Jornal de Letras, que Fernando António Almeida, ele próprio um profundo conhecedor do território, sobre o qual escreve há muitos anos, tem o projecto de "replicar" a velho roteiro de Raul Proença.
Que o ânimo não lhe desfaleça!

Lugares de encanto

Farol, ilha da Culatra, Algarve, 2005.

Patifaria anónima

Com regularidade volta à tona a questão do anonimato na blogosfera. Creio que o problema não está no anonimato em si mesmo: pode haver motivos estimáveis para ele. O problema consiste em utilizar o anonimato, como alguns fazem (sobretudo nas caixas de comentários), para o insulto e a injúria, a denúncia falsa, o achincalhamento pessoal, o ataque racista e "hate speech" em geral. Ou seja, o que revolta é a patifaria anónima, patifaria mais grave justamente porque acobardada sob o anonimato.

O problema

Eu conheço pelo menos uma dúzia de pessoas que dariam excelentes presidentes da República. O problema é que, para o serem, precisam de ser eleitos...

quarta-feira, 17 de agosto de 2005

O insólito (1)


Quando a esperança não é a última a morrer!
Nampula, no norte de Moçambique.

Lugares de encanto

Guadiana acima, subitamente Mértola, na curva do rio (Agosto 2005).