terça-feira, 13 de dezembro de 2005

Antologia da cegueira

«Um destes dias José Sócrates vai ter de começar a governar. Até agora, não aconteceu. Formalmente há primeiro-ministro empossado, mas tem-se, estrategicamente, limitado a anunciar um conjunto de intenções. Acções concretas são poucas, com excepção das mais fáceis: cortar nos benefícios da exaurida classe média. O primeiro-ministro tem estado de férias governativas.»
Eduardo Oliveira e Silva, Diário Económico.

Investimentos públicos

Embora abalada, por causa da credibilidade dos estudos apresentados e dos projectos anunciados, a fronda contra o novo aeroporto e o TGV -- investimentos de importância crucial para os transportes nacionais e para a modernização do País --, continua a insistir, à falta de melhor, na tecla dos seus grandes custos, mesmo que só uma parte deles recaia sobre as finanças públicas.
A mim preocupam-me muito mais as despesas improdutivas, como por exemplo, a compra dos submarinos, decidida pelo anterior governo sem estudos que os justificassem (e sem o alarido dos que agora contestam os referidos investimentos), uma abissal despesa pública literalmente afundada sem nenhuma necessidade nem proveito, salvo para os fornecedores estrangeiros, para as comissões dos intermediários nacionais e para a megalomania de alguns comandos militares.
O dinheiro gasto em investimentos ao menos não vai para consumos supérfluos.

Pudera!

A CAP acha que é melhor não haver nenhum acordo em Hong-Kong sobre a redução dos subsídios agrícolas europeus. Pudera! Os principais beneficiários dos subsídios são os grandes proprietários, algumas centenas a receberem centenas de milhões de euros. Uma verdadeira situação de enriquecimento sem causa!
Só é pena os consumidores e os contribuintes europeus não poderem dizer o mesmo...

domingo, 11 de dezembro de 2005

A escola e a religião

O meu artigo desta semana no Público (título em epígrafe) está disponível na Aba da Causa.

Base das Lages

Alguém sabe o que se passa na Base das Lages ?
Podia saber-se porque há um comandante português da Base.
Porque o Acordo Luso-Americano sobre a utilização da Base das Lages prevê controlo português.
Mas alguém controla realmente?
Num país onde as mais altas autoridades prescindiram até de exigir a invocação do Acordo quando permitiram que a vergonhosa Cimeira da guerra tivesse lugar nas Lages em 2003?

Tortura: quem cala, colabora.

Administração Bush visa tentar convencer a opinião pública mundial de que os EUA agem dentro da legalidade internacional no tratamento de prisioneiros.
Vergonhosamente não têm agido, como revelações sucessivas têm demonstrado, inclusivé as do cidadão alemão de origem libanesa que foi raptado, torturado e finalmente libertado pela CIA, que admitiu finalmente que ele nada tinha a ver com redes terroristas.
Mas esta súbita abundância de esclarecimentos também revela que a pressão da opinião pública internacional começa a ter efeito sobre a administração americana.
Em contrapartida, os governos europeus estão a esconder-se por detrás de um silêncio que revela má consciência.
As suspeitas em torno dos voos da CIA e os «black sites» na Europa só se adensam com o já confirmado na Polónia.
Faltará coragem política a responsáveis que não estavam no governo em 2003 e 2004 para descobrir o que se passou? Terão dado cobertura a práticas dessas em 2005? Estarão à espera que a onda passe? Desenganem-se.
Estão em causa os mais elementares fundamentos do Estado de direito democrático e dos valores europeus.
È também a credibilidade europeia em matéria de direitos humanos que está em cheque.
Por isso o Parlamento Europeu não vai largar.
Quem teve responsabilidades vai ter de responder.
Quem está no poder actualmente vai ter de ajudar a esclarecer. Se não, é conivente no encobrimento.

A tortura nem sempre é tortura? - II

"A tortura nem sempre é tortura. Mas nós não torturamos. E se torturarmos é só porque eles são terroristas. E nunca magoamos muito."

Nos EUA, a Casa Branca tenta desesperadamente convencer o Senador John McCain, Republicano, herói da guerra do Vietname, torturado como prisioneiro de guerra, a retirar uma emenda legislativa para proibir "o tratamento cruel ou desumano de prisioneiros por parte de forças americanas (incluindo a CIA) em território americano e no estrangeiro". Será por zelo humanista desmesurado, que o Senador McCain vê a necessidade de introduzir aquela emenda?
Condoleezza Rice declarou na véspera da reunião ministerial da NATO, na semana passada, que a Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura vincula as forças americanas em todo o mundo e não só em território nacional ? o contrário do que vinha sendo defendido pela Casa Branca até agora. No mesmo dia, John Bellinger, conselheiro jurídico do Departamento de Estado dos EUA, admitiu que a Cruz Vermelha não tem acesso a muitos prisioneiros nas mãos de forças americanas.
São esfarrapados os subterfúgios que a Administração Bush usa para camuflar aquilo que revelações diárias na imprensa americana confirmam: que os EUA fazem uso da tortura - às mãos de americanos, ou então recorrendo ao 'outsourcing' securitário.
Claro que a guerra contra o terrorismo impõe escolhas difíceis às democracias: mas a tortura não é, não pode ser, uma dessas escolhas.
Para além de constituir um comportamento inaceitável do ponto de vista moral e legal, a tortura é um método de eficácia duvidosa, como justamente aponta o Senador John McCain.
O caso do quadro da Al Qaeda Ibn al-Shaykh al-Libi é esclarecedor: capturado no Afeganistão, entregue ao Egipto em Janeiro de 2002 através do processo de rendition, submetido a tortura, al-Libi falou que se fartou. E o que disse aos carrascos egípcios veio a calhar para os neo-cons na Administração Bush: o Iraque de Saddam teria dado treino em explosivos e armas químicas à al-Qaeda. Bush usou essa informação num dos seus discursos de ardor belicista em Outubro de 2002. Em Março de 2004 a CIA considerou inválida a informação revelada por al-Libi, acima de tudo porque este entretanto admitiu ter dito o que disse para escapar a mais sevícias por parte dos guardas egípcios. Mas então já o Iraque tinha sido invadido...
A seguir à invasão do Iraque, às imagens dantescas de Abu Ghraib e à degradação de de Guantanamo, a polémica sobre os voos da CIA e os «black sites» incide sobre mais um marco vergonhoso da 'guerra ao terrorismo' à la neo-con: além de fazer multiplicar terroristas por todo o mundo, devasta a credibilidade ocidental na defesa dos direitos humanos e do Estado de direito.

Corrupção

Obrigatória a leitura desta entrevista sobre a corrupção em Portugal.
Há quem tente desvalorizar a dimensão da corrupção entre nós. Mas com depoimentos como este de alguém que deve saber do que fala -- e que aliás corresponde à nossa percepção das coisas --, como podemos dormir descansados?

«Leiam os blogues jurídicos...»

«Numa manifestação de um tremendo autismo, os magistrados também não percebem que só podem ser maltratados impunemente pelo poder político devido ao seu descrédito junto da opinião pública. Não percebem que a sua greve, com ou sem pagamento dos dias de greve, só serviu para os fazer descer ainda mais na estima pública e reforçar a margem de manobra do Governo.
A outra componente básica do seu discurso é que são vítimas de uma conspiração que passa pelos colunistas. Vital Moreira e Miguel Sousa Tavares são os corifeus dessa medonha cabala contra o poder judicial. Solidamente unidos e com objectivos comuns (quais?), encabeçam uma poderosa falange de escribas a soldo (de quem?) que se dedicam militantemente a desacreditar o poder judicial. Leiam os blogues jurídicos e verão como este retrato é pálido. A mentalidade dominante entre os magistrados portugueses, expressa com muita eloquência nos seus espaços de opinião, chega para tirar o sono a qualquer cidadão responsável. Quem depois disto achar que tudo se pode resolver com mudanças do Código Penal ou com mais uma reforma do Código do Processo Civil, é, pelo menos, tolo.»
(J. L. Saldanha Sanches, "O beco sem saída judicial", semanário Expresso de ontem.)

Correio dos leitores: Votos brancos

«O seu esclarecimento sobre a irrelevância dos votos brancos deixa-me preocupada. Quer dizer que se eu quiser contribuir para impedir a vitória de Cavaco na 1ª volta, não posso votar em branco e tenho de votar noutro candidato, mesmo que nenhum me entusiasme e tenha dificuldade em optar?»
(M. A. Mendes)

Resposta:
Assim é. Se o objectivo é o indicado, então serve o voto em qualquer outro candidato. Outra coisa será, se tiver preferência quanto ao candidato que haja de disputar a 2ª volta com Cavaco Silva, caso ela venha a ter lugar.

Cavaco por conta

Nem o oficioso Expresso pode deixar de notar (mesmo que seja numa envergonhada página interior par) aquilo que é evidente: «PSD toma conta de Cavaco», «(...) a sua estrutura de campanha está nas mãos do PSD».
«Suprapartidário», proclama ele, porém! Se no resto houver esta mesma "correspondência" entre o que CS diz e a realidade, com que credibilidade e confiança é que pode ser encarada a sua candidatura? E com que legitimidade é que ele invoca o lema «restituir a confiança» como leit motiv da sua candidatura?
[Reproduzido do Super Mário]

sábado, 10 de dezembro de 2005

Lugares de encanto

Igreja de Santa Cruz, Coimbra.

Justiça?!

«As instituições judiciais vivem num mundo fechado sobre si mesmo, bloqueadas por uma cultura de irresponsabilidade e impunidade corporativa que desaconselha a autocrítica e auto-regulação dos erros, arbitrariedades e abusos cometidos pelos seus membros. Por isso, quando o Tribunal da Relação põe em causa os resultados de uma investigação, o PGR apressa-se a absolver os seus subordinados de qualquer falha comprometedora e a chutar a bola para canto. Por isso, também, quando são públicas e notórias as inconfidências de um magistrado que dirigiu a PJ, lançando suspeitas graves sobre dirigentes políticos e violando o segredo de justiça, o CSM limita-se a arquivar o caso. É incontestável que sem independência da justiça não existe Estado de direito. Mas haverá Estado de direito onde a justiça é o único sector da vida nacional que não é sancionável - pelos outros ou por si mesma?»
(Vicente Jorge Silva, Diário de Notícias)

Correio dos leitores: Votos brancos

«Permita-me ocupar-lhe, mais uma vez parte do seu tempo, mas esta questão dos votos em branco não contar para absolutamente nada é um absurdo, na minha opinião. O voto em branco, por norma, penso que é de alguém que, embora não escolhendo um candidato ou um partido, pode ser um cidadão activamente consciente e participativo na sociedade.
Já votei em branco mais do que uma vez e custa-me que esse voto seja considerado igual ao voto nulo ou até à abstenção. Sou um cidadão que acredita na democracia, que participa na sua comunidade activamente, mas que por vezes não se revê em candidatos. Não será este menosprezar do voto em branco um convite à abstenção? Ou o sistema partidário acha que se esgota nas propostas e então quem não vota nele é de excluir como analfabeto ou ignorante? Repare que há jovens que não se revêem em candidaturas e o que se lhes diz é que se for votar em branco, que para mim é um voto de confiança no regime, é igual a um nulo. Estamos a convidá-lo a não votar. Isto não é tão despiciendo como se julga. É um debate que julgo importante, que fica muita para além da forma redutora como Saramago tratou esta questão no seu romance.»

P. J. Santos

Negócios da China...

Náuseas.
É o que eu sinto ao ouvir José Sócrates considerar uma questão «de justiça» levantar o embargo de armas da UE à China.
«Justiça» para quem?
Para as centenas de mortos nunca admitidos sequer pelo regime chinês no massacre de Tienanmen?
Para os milhares de presos nesses dias que ainda hoje continuam detidos e que nunca foram julgados?
Para os milhares de desaparecidos sobre quem o governo chinês nunca deu qualquer informação às suas famílias?
É que o embargo de armas imposto à China pela Europa em 1989 teve e tem uma razão precisa: o massacre das forças pró-democracia na Praça Tienanmen e a necessidade de pressionar o regime chinês a prestar contas por aquela grosseira e massiva violação dos direitos humanos, que a China, como membro das Nações Unidas, está vinculada a respeitar. Prestar contas sobretudo ao povo chinês e às famílias dos mortos, presos e desaparecidos.
Promete ainda o PM que Portugal se empenhará na UE por esse levantamento.
Não o meu Portugal. (Vd. «Negócios da China» que aqui escrevi a 30.11.05, além de outros escritos alusivos anteriores).
Não quem tiver a decência de emprestar significado às palavras «direitos humanos», «democracia» e «justiça».
Não quem não se venda por promessas de relações económicas mirabolantemente multiplicadas - que só não se multiplicaram, para um país que esteve 500 anos em Macau, por incapacidade e falta de visão estratégica dos agentes económicos, incluindo o Estado português.
Não quem tiver presentes as declarações ameaçadoras para Taiwan que o regime chinês tem reiterado e ainda recentemente tornou mais ominosas.
Não quem tiver o bom-senso de atentar nas implicações políticas e estratégicas de uma tal medida e nas reacões epidérmicas que provoca do outro lado do Atlântico em quadrantes muito mais esclarecidos que a Administração Bush.
Como no episódio da visita do PM à tenda de Kadhaffi, Portugal volta a ficar manchado pelo posicionamento oportunista e inconsequente do Governo. Que logo adverte os interlocutores chineses de que, apesar do seu empenho, o assunto «está a ser discutido ao nível da UE e nunca poderá ser uma decisão unilateral».
Julgará alguém que os chineses assim levam Portugal a sério?
E quem levará Portugal a sério, assim?

A tortura nem sempre é tortura ?

«A tortura nem sempre é tortura. Mas nós não torturamos. E se torturarmos é só porque eles são terroristas. E nunca magoamos muito».

Ontem em Bruxelas, num encontro da Aliança Atlântica, Condoleezza Rice aparentemente esclareceu tudo o que havia a esclarecer sobre as prisões da CIA na Europa. O novo MNE alemão Frank-Walter Steinmeier sublinhou que «o encontro foi extremamente satisfatório para todos nós».
Assunto encerrado? Não.
É difícil imaginar que os voos da CIA, em que prisioneiros eram transportados de e para o Afeganistão, Guantanamo, Paquistão, Bagdad etc., tivessem tido lugar sem o conhecimento das autoridades dos países onde aterravam; é difícil de imaginar que as prisões secretas na Roménia e na Polónia tivessem sido criadas às escondidas de toda a gente.
E, acima de tudo, era difícil de imaginar uma reacção europeia à altura da gravidade da situação, quando a ameaça velada da Sra. Rice tornou claro para toda a gente que tudo se passou com a cobertura tácita das capitais europeias. Uma vergonha!
Mas independentemente do que as capitais de ambos os lados do Atlântico nos querem fazer querer, este debate adquiriu uma dinâmica própria. E só vai aumentar de intensidade.
O Grupo Socialista no PSE decidiu no passado dia 7 pedir a instauração de um inquérito do Parlamento Europeu.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2005

Votos nulos e brancos

Perguntam-me sobre a relevância dos votos nulos e brancos na eleição presidencial. A Constituição resolve expressamente a questão no art. 126º. Na 1ª volta só haverá eleição se um dos candidatos obtiver "mais de metade de votos validamente expressos". Quanto aos votos nulos, não pode haver dúvidas de que estão excluídos, visto não serem votos válidos. Quanto aos votos brancos, a Constituição estabelece que também não contam, seguramente por considerar que não são votos expressos. Portanto, nem os votos nulos nem os votos brancos contam para o apuramento da maioria absoluta; só contam os votos válidos num dos candidatos. Por isso, para que um candidato seja eleito à 1ª volta, basta que tenha mais votos do que os demais candidatos juntos.
Numa eventual segunda volta, que é disputada apenas entre os dois candidatos mais votados na primeira volta, ganha o candidato que tiver mais votos. Ficando de novo fora da contagem os votos nulos e os brancos, o vencedor tem sempre mais de metade dos votos validamente expresos.
Em suma, tal como sucede nas demais eleições, os votos nulos e brancos são irrelevantes na eleição presidencial, salvo o seu significado político, se o seu número for anormalmente elevado.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2005

Blair não vem a Lisboa. E nós, vamos a parte alguma?

A última proposta da Presidência britânica sobre as perspectivas financeiras da UE é inaceitável, contraditória, contra-natura, etc... disseram várias vozes, entre elas Freitas do Amaral e Durão Barroso.
É, de facto, dar o ouro ao Xerife de Nottingham, para recorrer à apropriada metáfora que Durão Barroso finalmente ousou usar, depois de tanto tardar a envolver-se na disputa (no Conselho do Luxemburgo ninguém o ouviu). E, no entanto, a proposta de base era da Comissão (Prodi...).
A proposta britânica põe em causa a coesão, prejudica os novos membros e sobretudo faz os velhos países da coesão - e Portugal em particular - pagar a factura do alargamento. Em compensação, poupa os ricos.
Não toca no imoral «cheque britânico» (Blair diz que só o revê, se a França ceder na reforma da PAC; em compensação acena aos novos membros com mais uns trocos de contribuição de TVA britânica).
Na PAC - cuja necessidade de reforma Blair invocou para inviabilizar o compromisso proposto pela presidência luxemburguesa - a proposta britânica não toca significativamente. Diminui sobretudo o fundo para o desenvolvimento rural, onde Portugal poderia e deveria beneficiar mais, minorando os efeitos nocivos da actual PAC, de que Portugal não é beneficiário liquido (e mais de metade do que recebe vai para o bolso de cerca de 2.000 grandes proprietários).
Uma PAC absurda, que leva mais de 40% do orçamento comunitário a pagar a agricultores em muitos casos para não produzirem ou produzirem a preços inflaccionados para o consumidor - dinheiro de que a Europa precisa desesperadamente para investir na competitividade, qualificação e inovação tecnológica prescritas pela Estratégia de Lisboa. Uma PAC grotesca, que distorce o comércio internacional e frusta as capacidades de desenvolvimento de boa parte dos países mais pobres do mundo. 40% do orçamento comunitário sobretudo para sustentar ricos agricultores franceses. Uma PAC com essa leonina fatia do orçamento congelada até 2013 por um indecente acordo arranjado entre Chirac e Schroeder - e endossado de cruz por Blair e Barroso em Outubro de 2002. Em suma, uma PAC que não serve Portugal e não serve a Europa.
Que atitude adoptar então agora pelos negociadores portugueses ? Há dias ainda se alimentavam ilusões de que era possível defender a proposta do Luxemburgo e investia-se tudo em manter coeso o «grupo da coesão» (isto é, estimular os novos membros a bater o pé connosco, sendo que a Espanha já não faz o jogo, porque sabe que já não está nessa liga).
A lógica era umbiguista - género «que se lixe o que melhor serve a Europa, venham mas é a nós os vossos carcanhóis...». E ingénua.
Era não conhecer as albiónicas caracteristicas dos nossos mais velhos aliados... Eles querem mesmo a reforma da PAC. Se calhar pela Europa, possivelmente também por outros motivos (inclusivé da peleja interna entre Blair e Brown). Acordaram foi tarde: Blair podia não ter dado o OK ao acordo da PAC de 2002 e já podia, muito tempo antes da Cimeira do Luxemburgo,ter anunciado que faria finca pé na reforma da PAC: desde que saiu a primeira proposta de perspectivas financeiras da Comissão, em finais de 2003 (em vez de assinar a «carta dos seis» a pedir redução do tecto orçamental para 1%); ou, mais recentemente, desde que Chirac perdeu o referendo à Constituição Europeia (e algum preço devem pagar os agricultores franceses que maioritariamente votaram contra a mão que os alimenta).
Mas mais vale tarde do que nunca. Porque, quaisquer que sejam as motivações da Presidência britânica, a verdade é que ela tem razão: rever o financiamento da PAC é condição essencial para financiar minimamente a Estratégia de Lisboa - em tempo de alargamento e de avareza dos Estados ricos que não se dispõem a aumentar o tecto orçamental da União.
Por isso era míope a lógica umbiguista. Ainda por cima era de prever que os novos membros acabariam por sucumbir ao canto de sereia de Blair - e ele sabe-a toda, bastou acenar com a facilitação e extensão das condição de acesso aos fundos, e o «grupo da coesão» começou a desmoronar-se a Leste e Centro...
Para conseguirmos um acordo que segure um máximo de fundos para Portugal (e o máximo é possivelmente abaixo do que nos atribuia o acordo frustrado do Luxemburgo), será preciso agarrar Blair na sua própria armadilha: é preciso que Portugal exija a revisão do financiamento da PAC. E a revisão do «cheque britanico», igualmente. Fazer ceder Chirac é possível - Schroeder foi à vida, a esquerda francesa até agradece (fica com Chirac o ónus político de quebrar o tabu, poupando-se assim o PSF a que venha a ensombrar os seus dias, se chegar ao poder em 2007).
Anuncia-se que Sócrates vai a Londres amanhã a consultas sobre o orçamento com a Presidência. Não sei porquê. Normalmente é a Presidência que vai às capitais dos Estados membros (Blair acaba mesmo de dar uma volta pelo Leste).
Mas já que Blair não vem, convém a Sócrates mostrar que sabe bem ao que vai. Insistir na coesão já não leva a parte nenhuma - eles já deram para esse peditório... Exigir a reforma da PAC e do «rebate» britânico para financiar a Estratégia de Lisboa é o que pode impedir que nos baratinem. A Portugal e à União.

O inacreditável Inimputável

Espero ver se não são desmentidas as últimas pérolas que ouvi na TV imputar ao Inimputável-Geral da República.

Imigrantes ilegais têm direitos. Humanos.

Inqualificável o que a SIC Noticias revelou ontem sobre a situação de um grupo de imigrantes ilegais, incluindo quatro mulheres, uma das quais grávida e um bébé, retidos durante mais de 50 dias em condições degradantes e perigosas.
Os obstáculos processuais que demoravam o repatriamento daquelas pessoas resolveram-se num ápice, mal a situação foi mostrada na televisão.
Assim vai a nossa cidadania. Mal! Uma catrefa de funcionários do SEF, da ANA e possivelmente de outras entidades não tem consciência de que, colaborando naquela detenção e noutras medidas degradantes que são infligidas a imigrantes ilegais ou candidatos a asilo político, estão a ser coniventes com tremendas violações de direitos humanos. Não admira - a formação não deve ser exemplar, as pressões e falta de condições serão imensas e a impunidade tem sido total. Resta a consolação de que algum deles se terá indignado, terá desesperado ... e chamado a SIC Notícias.
Se houvesse Procuradoria-Geral da República que ligasse à Constituição da República e ao normativo de Direito Internacional dos Direitos Humanos a que Portugal está vinculado e que vigora directamente na ordem interna por força da Constituição, o caso já estaria a ser judicialmente accionado.
SEF, ANA - quem quer que sejam os superiores hierárquicos e funcionários que deixaram arrastar aquela situação têm de ser identificados e, no mínimo, disciplinarmente responsabilizados. Para ver se eles e outros aprendem.
Se não, na próxima terão de se apurar responsabilidades políticas. É para isso que serve haver um Ministro da Administração Interna, um Ministro dos Transportes, um Ministro da Justiça.
Já imaginaram a comoção nacional se as imigrantes ilegais em vez de serem brasileiras e romenas fossem portuguesas num barracão de um qualquer aeroporto no estrangeiro?
Assim vai a nossa democracia - funciona de sopetão, mal se sabe do escândalo. E é preciso que ele seja televisionado...
Valha-nos a SIC Notícias.

Lugares de encanto

Siena, Itália.

A contestação do semipresidencialismo...

... em França. O antigo primeiro-ministro socialista francês Lionel Jospin veio defender a adopção de um sistema presidencialista, propondo a supressão do primeiro-ministro e a passagem da chefia do governo directamente para o presidente da República. O sua principal justificação é a ambiguidade do executivo bicéfalo do semipresidencialismo francês e a irresponsabilidade política do presidente da República pelas orientações que dá ao governo e pelas quais este acaba por ser o único responsável.
É evidente que, para dar congruência ao novo sistema, seria necessário importar toda a lógica do presidencialismo, incluindo a separação entre o executivo e o parlamento, sem possiblidade de censura parlamentar ao governo e de dissolução parlamentar pelo presidente, à maneira dos Estados Unidos. Será que a proposta de Jospin assume essas implicações, bem como as suas dificuldades no caso de divergência entre a maioria presidencial e a maioria parlamentar? Faz sentido um sistema presidencialista em França, com o sistema de partidos ideologicamente estruturado que aí existe?
E porque não superar as contradições do semipresidencialismo "à francesa", adoptando -- como outros propõem -- um sistema parlamentar, com eliminação dos poderes presidenciais na esfera governativa?

terça-feira, 6 de dezembro de 2005

E, contudo, a Europa avança

A criação do domínio .eu na internet é um daqueles pequenos-grandes passos que vão constituindo a identidade da UE, para si mesma e para o mundo. Mesmo sem Constituição....

Blair em perda

É hoje evidente o fracasso da presidência britânica da UE, apesar de inaugurada com um animador discurso de Blair no seu início, em pleno choque do não francês e holandês à Constitução europeia. Para piorar o quadro, a proposta britânica para as finanças da UE nos próximos anos é uma péssima notícia. Tendo sido um dos campeões do alargamento a Leste, Blair propõe agora um programa financeiro que fica muito aquém das necessidades e das justas expectativas dos novos Estados-membros.
Está visto que a UE não vai sair da presidência britânica em melhor estado do que estava há meio ano. Uma decepção!

Dois problemas

No debate da SIC com Manuel Alegre -- um debate tão civilizado quanto morno --, Cavaco Silva não conseguiu esconder as suas duas principais fragilidades.
Por um lado, um problema de falta de convicção: o seu discurso é tão preparado, tão "certinho", tão "artificial" e tão calculista, que deixa muito a desejar em matéria de sinceridade (por exemplo, quando afirmou que, se for eleito, a direita não o vai ver como "seu" presidente...).
Por outro lado, a sua vocação governamentalista, ou seja, a incapacidade para se elevar acima das questões do governo: todo o seu discurso gira à volta da agenda própria do Governo (crise financeira, investimento, emprego, ensino, segurança, etc.), sem desenhar um sentido próprio para a missão presidencial. Daí se compreende a sua ideia de ajudar a "resolver os problemas", de sugerir legislação, de ajudar a concretizar investimentos (sic!).
Tal activismo presidencial seria, seguramente, uma receita para uma permanente ingerência nas competências governamentais, com o potencial de conflito político e institucional que isso inevitavelmente gera. A sua solução para a crise da justiça -- uma espécie de grande convenção dos sectores interessados sob a égide do PR -- é verdadeiramente inquietante, deixando escapar o seu verdadeiro entendimento do função presidencial, de apropriação de "dossiers" governativos.
[Reproduzido do Super Mário]

segunda-feira, 5 de dezembro de 2005

Lugares de encanto

"Alegoria do bom governo", Palácio Público, Siena, Itália.

A propósito (atrasado) do 1º de Dezembro

Nas paredes da grandiosa "sala dos capelos" da Universidade de Coimbra estão patentes os retratos de todos os reis de Portugal. Todos, não! Faltam os Filipes.
Trata-se de uma enorme injustiça: primeiro, porque eles não podem ser apagados da história do País; segundo, porque entre eles está um dos grandes reis de Portugal (Filipe I); terceiro, porque a própria Universidade de Coimbra lhes deve muito (a começar pela Porta Férrea...). Quando é que um reitor da UC "ousa" repor a verdade e a justiça da história?

O monstro

Na entrevista à RTP Cavaco Silva tentou negar ter criado, enquanto primeiro-ministro, numerosos institutos públicos. Ora esse facto está documentalmente provado, o que aliás contribuiu para a ampliação e fragmentação do Estado e para um considerável aumento das despesas da organização administrativa. Entre os principais responsáveis pelo "Estado-monstro", que ele mais tarde denunciou como responsabilidade de outros, está seguramente o próprio. Negar essa evidência histórica e responsabilidade pessoal não é propriamente recomendável a um candidato presidencial...

Viagens fora da minha terra

Se a Toscana fosse em Portugal, os seus bosques de carvalhos, pinheiros mansos e cedros seriam de pinheiros bravos e eucaliptos. E em vez de ser uma das mais belas regiões da Europa, estaria entre as mais feias.