sexta-feira, 27 de junho de 2008

Acção directa

É evidente que a agressão de que foram vítimas dois juízes na Feira, em pleno tribunal, é intolerável, não podendo repetir-se. Mas pretextar um infeliz caso insólito para suspender o exercício da função judicial é uma reacção puramente emocional, que nada justifica, sobretudo tratando-se de juízes. Há-de haver uma distinção entre as formas de protesto dos juízes e dos camionistas...
O Conselho Superior da Magistratura, órgão supremo da gestão e da disciplina judicial, não devia tolerar estas formas de acção directa, que lesam a autoridade da Estado e a majestade da magistratura. Quem tem a missão de fazer respeitar a legalidade e punir a sua infracção não pode recorrer a formas de acção ilícita. Os juízes são as últimas pessoas que se podem colocar à margem da lei.

Excesso de zelo

«Instaurados processos disciplinares a polícias que visitaram escolas».
Se o inquérito mostra que a acção policial não passou de um excesso de zelo dos próprios agentes, sem propósitos intimidatórios, a acção disciplinar não será outro excesso de zelo? Se se trata de oferecer aos sindicatos um pequeno troféu ou vindicta, isso de pouco lhes serve agora (bastou-lhes o bom aproveitamento político que do caso fizeram).
Não bastaria divulgar o inquérito, sublinhar publicamente as normas de procedimento aplicáveis a situações semelhantes e advertir para as consequências da sua violação no futuro?
Aditamento
A propósito, não se justificaria um inquérito sobre a falha policial de garantir a segurança dos juízes no caso de Vila da Feira?

A queda de Mugabe

Excepto Mbeki, que se escuda numa estéril 'quiet diplomacy' para fechar os olhos aos horrores do que se passa no país vizinho, já todos se uniram ao coro de vozes africanas contra Mugabe. Até Angola. Mas Mugabe, isolado e perante crescente pressão da comunidade internacional, quer manter a farsa das eleições. Não me admiro: viu outros ditadores roubar eleições e permanecer no poder, com a comunidade internacional unida num pacto de silêncio - é o caso da Etiópia.
Mas a Mugabe não sobra mesmo qualquer réstia de legitimidade.
O Conselho de Segurança das Nações Unidas, honra lhe seja feita, por uma vez já se antecipou a considerar ilegítimo o resultado da farsa eleitoral que hoje terá lugar no Zimbabwe.
Mas de que estarão à espera a AU ou a SADC para mobilizarem Kofi Annan para se deslocar a Harare e tentar negociar uma solução pacífica de transição?

Direito de rectificação

O Director da Lusa informa-me que no caso aqui referido (em que reproduzi um post alheio), a notícia não identificava a vítima do abuso sexual, sendo essa aliás a norma da Lusa. Tendo verificado que tal é a verdade dos factos, e lamentando o sucedido, aqui fica registada a devida rectificação do (involuntário) erro.
Como é bom de ver, mantém-se a censura em relação aos outros órgãos de informação que não tiveram o cuidado nem os escrúpulos da Lusa em relação à mesma notícia.

Funambulismo

Há indícios de que Barack Obama começa a adaptar o seu discurso político, para namorar o eleitorado mais conservador, ao criticar a decisão do Supremo Tribunal que declarou inconstitucional a pena de morte no caso de violação de crianças. O Tribunal considerou, e bem, que as penas devem respeitar o princípio da proporcionalidade, pelo que a pena de morte só deve ser prevista para crimes que impliquem morte da vítima. Pelos vistos, o candidato Democrata, que tinha defendido sempre a restrição da pena capital, discorda agora desta prudente decisão do Supremo Tribunal (que actualmente até tem uma maioria conservadora).
Lamentável!

Aditamento
Seguramente que Obama não precisa destas comprometedoras concessões para liderar confortavelmente as sondagens eleitorais.

O capitalismo financeiro

Foi absolutamente decepcionante a falta de resposta do último Conselho Europeu à crise dos preços petrolíferos, quer quanto a medidas contra a especulação nos mercados internacionais quer quanto a projectos de poupança e de substituição de petróleo. É chocante a displicência dos dirigentes europeus (com poucas excepções) perante uma crise que ameaça gravemente a estabilidade económica e social europeia.
Mas há boas notícias de Washington, onde os deputados acabam de aprovar legislação para impor restrições à especulação com o preço do petróleo nos mercados financeiros (mercados de "futuros"). Até nos Estados Unidos se sabe que tem de haver limites para o capitalismo financeiro. Uma lição para a UE --, ou como uma "economia de mercado liberal" pode dar lições de regulação financeira a uma "economia de mercado coordenada"!

quinta-feira, 26 de junho de 2008

'Upgrade' das relações com o Eixo do Mal? II

As negociações com a Coreia do Norte sobre o seu programa nuclear parecem avançar e os EUA consideram seriamente a possibilidade de levantar algumas sanções em relação a Pyongyang. Decididamente, o Eixo do Mal já não é o que era...

'Upgrade' das relações com o Eixo do Mal?

O State Department dos EUA está a considerar a hipótese de abrir uma secção de interesses no Irão, o que representaria uma revolução nas relações diplomáticas entre os dois países. Mesmo que não se trate aqui de uma decisão iminente e mesmo que seja apenas uma reflexão interna do State Department, esta hipótese reflecte bem o debate nos corredores do poder em Washington sobre a melhor maneira de lidar com o Irão.
Certamente que esta decisão dependerá em grande medida das negociações sobre o dossier nuclear iraniano.
E será que o Irão está disposto a abrir mão do seu programa nuclear militar para colher os frutos de uma relação normalizada com os EUA?
Tudo indica que uma administração Obama mudará radicalmente o discurso americano em relação a Teerão. E, a confirmar-se esta notícia, o Presidente Obama já pode contar com alguma massa crítica de reflexão sobre como mudar para melhor, na prática, as relações entre Teerão e Washington.

Mais "obras públicas supérfluas" (2)

«Governo investe 450 milhões de euros na requalificação e construção de novas cadeias».
Cá estão, mais "obras públicas supérfluas", dirá o PSD! Repartidos pela "classe média", aqueles milhões ainda davam uns euros a cada um...

Mais "obras públicas supérfluas"

«Os ministros da Educação e do Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional celebram hoje em Ansião acordos para a construção ou remodelação de 33 centros escolares na região Centro.»
Mais "obras públicas supérfluas", dirá o PSD...

Direitos Humanos na China

Já está disponível aqui a intervenção que fiz em Pequim (em inglês) por ocasião do 5º Encontro da Parceria de Parlamentares Ásia-Europa. Fica aqui uma pequena amostra:

"And so many people are imprisoned in China because they lack that basic freedom. I will just name two: Mr. Hu Jia, who was jailed after speaking to us in the EP last November, through video conference. And a protestant Pastor who was arrested yesterday, on his way to a meeting with a member of our delegation."

A deriva demagógica do PSD (5)

Um dos temas que a elite de Lisboa sempre censura com desprezo é o investimento rodoviário (fora da região de Lisboa, bem entendido). Bastam-lhes as auto-estradas para Cascais e para o Algarve. Ora, todos os investimentos rodoviários recém-desencadeados fazem parte do Plano Rodoviário Nacional -- que o PSD aprovou --, o qual em certas regiões -- por exemplo, na região Centro interior -- está em grande parte por realizar, incluindo carências básicas, como por exemplo a ligação directa entre o planalto beirão e a Cova da Beira (pela Serra da Estrela) ou a ligação entre Coimbra e Tomar, pelo interior.
Quanto ao financiamento, é sabido que no novo sistema de gestão rodoviária o sector deixou de depender do orçamento do Estado e dos impostos, salvo quanto à "contribuição rodoviária", devendo a Estradas de Portugal concessionar os investimentos em regime de PPP e remunerá-los depois com recursos próprios, designadamente as portagens da novas auto-estradas (e das antigas, quando terminarem as actuais concessões).

A deriva demagógica do PSD (4)

O principal achado político do novo PSD foi a "asfixia da classe média", vítima da crise económica, do aumento dos custos do crédito, do preço dos combustíveis, etc.
Não tendo a demagogia descido (ainda) ao ponto de defender uma baixa de impostos ou o congelamento administrativo dos preços ou das taxas de juro -- ou quem sabe, uns subsídios à compra de carro ou de férias no estrangeiro ... --, fica-se sem se saber que medidas é que o PSD tem em mente, sendo de crer que não tem nenhumas, não passando a classe média de "carne para canhão" na pré-campanha eleitoral antecipada do PSD. Mas uma coisa é certa: ao atacar indiscriminadamente os projectos de investimento público em curso, o PSD ataca justamente aquilo que melhor pode aliviar a situação da classe média, dinamizando a economia, criando oportunidades de negócio para pequenas e médias empresas, gerando procura de serviços profissionais, etc.
O PSD, em suma, propõe-se justamente asfixiar a melhor via para responder às dificuldades da classe média, que tão desveladamente denuncia. O diagnóstico pode estar correcto, mas o remédio é letal!

A deriva demagógica do PSD (3)

O PSD propõe desviar recursos financeiros públicos do investimento para transferências destinadas às organizações sociais, a fim de acudir à situação de "emergência social" cujos contornos dramatiza.
Ora, nunca houve um volume de transferências sociais tão elevado como agora, incluindo medidas destinadas às camadas mais vulneráveis (que aliás não se devem ao PSD), como o rendimento social de inserção (RSI), o complemento de rendimento para pensionistas pobres e o aumento do abono de família para as famílias pobres. Mercê do êxito da disciplina das finanças públicas e à folga financeira alcançada, não é necessário sacrificar o investimento para acudir às novas carências agravadas pela crise económica.
Pelo contrário, é o investimento público (e o investimento privado que ele arrasta) que pode atenuar e abreviar o impacto da crise económica e consequentemente atalhar às suas piores consequências sociais. Não é preciso ter lido Keynes para saber que em situações de crise económica, o melhor remédio para a crise social é atacar a crise económica, através do investimento e do estímulo da actividade económica, criando emprego e rendimentos pessoais, bem como gerando receitas fiscais para melhor responder às carências sociais.
O PSD propõe o contrário, ou seja, prescindir de atacar a crise económica através do investimento público, gastando o capital e perdendo também capacidade e recursos para atacar a crise social. Pior não poderia ser!

A deriva demagógica do PSD (2)

O PSD argumenta que são desconhecidos os fundamentos e os custos dos investimentos em curso em infra-estruturas . Nada disso é verdade, porém:
-- para cada investimento (escolas, hospitais, barragens, aeroporto, rede ferroviária, rede rodoviária, etc.) foram publicados a seu tempo os planos e os relatórios justificativos (muitas vezes elaborados por entidades independentes);
-- a equação financeira de todos eles é igualmente conhecida, incluindo a parte a suportar pelo orçamento do Estado (sendo que em muitos casos se trata de investimentos predominantemente ou exclusivamente privados);
-- a viabilidade e a sustentabilidade financeira de todos eles foi devidamente demonstrada, sendo que vários deles (como as barragens e auto-estradas pagas) não só não custam nada ao orçamento como, ainda por cima, rendem avultadas receitas ao Estado, mediante pagamentos à cabeça pelas respectivas concessões.

A deriva demagógica do PSD (1)

Os comentadores em geral afiançam a herança "cavaquista" da nova líder do PSD e da sua equipa. Mas deve ter havido uma grande metamorfose política.
Pois haverá algo de mais anticavaquista do que o ataque indiscriminado aos investimentos em infra-estruturas, condição essencial da modernização e do desenvolvimento do País, bem como a proposta de desviar recursos do investimento público para transferências sociais (que, aliás, nunca foram tão elevadas como hoje)? Quem pode ignorar que o "cavaquismo" foi essencialmente uma aposta "neofontista" no investimento público como instrumento da modernização material e do desenvolvimento económico e social?
Pelos vistos, o novo PSD "póscavaquista" prefere a via populista e retintamente reaccionária de diabolizar o investimento público em infra-estruturas.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Sociologia dos media

«OCDE diz que Portugal se distancia da crise internacional».
Tenho a certeza que a principal mensagem deste importante relatório da OCDE sobre Portugal -- que avalia positivamente as reformas deste Governo (e que a nova líder do PSD deveria ler, até para comparar com o seu próprio insucesso governativo como Ministra das Finanças) -- não fará manchetes nos jornais nem abrirá os telejornais. Mas se fosse o contrário, quem duvida que a má notícia teria todo o destaque?

Está-lhe na natureza do sangue, dizem eles

Quando Ricardo Pais Mamede escreve que «a deriva liberal da UE (...) está antes gravada no seu quadro institucional», não precisamos de mais explicações para perceber por que é que a esquerda radical é, e só pode ser, contra a UE como tal, independentemente das concretas políticas europeias, mais liberais ou mais sociais, de acordo com as maiorias políticas de cada momento.
A tese é, porém, factualmente improcedente, como é fácil demonstrar. O quadro institucional da UE, desde a CEE originária, de 1957, visou sempre a integração europeia na base da síntese da economia de mercado com o Estado social, aliás sem necessidade de grandes proclamações sociais no texto do Tratado de Roma. Ora, os tratados subsequentes não só não desvalorizaram mas antes reforçaram a componente social da UE, bastando referir os enormes avanços sociais do Tratado de Amesterdão e do próprio Tratado de Lisboa (como mostrei aqui).
A tese da natureza intrinsecamente (neo)liberal da UE é uma conveniente invenção da esquerda radical para justificar a sua visceral hostilidade à integração europeia tal como nasceu e se desenvolveu, baseada na "economia social de mercado" -- conceito agora introduzido no Tratado de Lisboa, que nada tem a ver com o neoliberalismo nem com o "capitalismo laisser-faire" --, em nome de uma imaginária "integração alternativa", cuja natureza aliás não definem. Mas não custa adivinhar que o verdadeiro busílis está na "economia de mercado", qualquer que ela seja...

Correio da Causa - PSD contra o TGV

«Realmente é com grande tristeza que se assiste ao novo capítulo anti-TGV que nos oferece o PSD de MFL.
Por que motivo as pessoas olham para a política sem credibilidade? E se afastam? Porque há gente incoerente, desonesta e sem transparência. E irresponsável. MFL foi ministra das Finanças de um Governo que na Figueira da Foz, em 2003, assinou com o Executivo de Madrid, um acordo para a construção de CINCO trajectos de Alta Velocidade, orçados em 9000 Milhões de Euros.
(..) A "alta velocidade" que se pretende construir, não é a ideal: é a possível, depois das "marteladas" diversas que lhe foram infligindo. Representa um investimento de 7,9 mil milhões de Euros, dos quais 36% são públicos, bem menos, portanto, do que o montante aprovado pelo Governo em que tinha assento MFL, na pasta "menor" das Finanças.
Basicamente, corresponde ao trajecto Lisboa-Porto em 1:15h, única forma de garantir escala ao território de Portugal para se assumir como opção estratégica de localização de investimento directo estrangeiro (IDE) à escala planetária: uma "cidade" com 7 milhões de indivíduos. Ligada por sua vez a Madrid em menos de 3 horas e com um prolongamento ulterior a Vigo e à Corunha, preenchendo o Arco Atlântico e projectando-o na Estremadura.
É impressionante que haja gente, até do chamado "mundo empresarial", que não veja que o problema de Portugal nada tem a ver com falta de produtividade, leis laborais, falta de formação... Tem a ver, isso sim, com duas questões que a maior parte destes patrões (não-"empresários") evidencia extrema dificuldade em compreender: o problema do ENQUADRAMENTO da economia, e o problema da ESCALA. (...)
Vamos a Espanha, a França, à Alemanha. Aquilo é uma batalha feroz entre confederações empresariais de várias cidades, todos a reclamarem que as linhas de AV passem por lá. E é a ausência deste fenómeno em Portugal que é preocupante (com as notáveis excepções de Évora e Leiria). Aflige assistir-se a esta iliteracia empresarial, reduzida a tanta tacanhez. Nem com o sobressalto do aumento dos combustíveis fósseis se retiram ensinamentos.»

Manuel M. T.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Antologia do dislate politico

Empolgado com o ataque indiscriminado da nova líder do PSD aos alegados custos dos projectos de obras públicas em curso, um habitual comentador de direita, hoje na SIC Notícias, atirava-se ao plano de novas barragens hidroeléctricas. Ora, para além do mérito intrínseco das novas barragens do ponto de vista da diminuição da dependência energética do País em combustíveis fósseis, elas são um excelente negócio para as finanças públicas, pois não só não custam um cêntimo aos contribuintes como ainda por cima rendem ao Estado muitos milhões de euros à cabeça, por cada concessão.
Como é que se pode fazer política assim, com tanta irresponsabilidade e demagogia?!

Irresponsabilidade

É lamentável, e prova de uma enorme irresponsabilidade política, que o PSD tenha escolhido o TGV como alvo do seu demagógico ataque às obras públicas. Primeiro, trata-se de um projecto em que o próprio PSD comprometeu o País com Espanha; segundo, a rede de alta velocidade ferroviária é essencial para a modernização e o desenvolvimento económico do País; terceiro, o TGV poupará enormes gastos em combustível e em CO2, quer no transporte aéreo (Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid), quer no transporte rodoviário, o que é um valor inestimável quando o preço dos combustíveis sobe para o céu e Portugal tem de cumprir exigentes objectivos de limitação de gazes com efeito de estufa.
Começa muito mal o PSD na sua ânsia de voltar ao poder a qualquer custo.

A inconsistência de MFL (2)

Parece que o PSD de Manuela Ferreira Leite seleccionou o projecto de TGV como alvo de ataque às alegadas "infra-estruturas supérfluas" a que se referiu a nova líder.
Ora, o projecto de TGV que o Governo PS seleccionou é somente uma parte do ambicioso programa de alta velocidade ferroviária acordado com Espanha em Janeiro de 2004 pelo Governo de Durão Barroso, do qual fazia parte a actual líder como Ministra das Finanças!...
Tudo indica que o PSD inicia a nova liderança com uma vertigem de demagogia e de inconsistência.

A inconsistência de MFL

A nova líder do PSD não tardou a revelar a inconsistência das suas propostas políticas, em questões-chave como o Serviço Nacional de Saúde.
Depois de na campanha eleitoral ter anunciado que o SNE deveria deixar de ser universal, devendo ser a solução para as pessoas sem rendimentos para pagar saúde privada, veio agora recuar nessa posição, dizendo que afinal deve ser universal, mas que só deve ser gratuito para quem não tem rendimentos. A mudança é, porém, assaz equívoca. MFL continua sem aceitar que toda a gente, independentemente dos seus rendimentos, deve ter direito a cuidados de saúde quando precisa deles sem ter de os pagar especificamente (sem prejuízo de moderadas taxas de utilização dissuasoras de consumos excessivos). Os cuidados de saúde não são um bem de consumo ou uma vantagem cuja procura depende de um decisão livre de quem deles necessita, mas sim de doença ou de acidente, que a todos pode atingir à margem da sua vontade, devendo por isso os seus custos ser partilhados por todos, como sucede com outros riscos sociais.
Questão diferente é, evidentemente, saber se os cuidados de saúde deve ser financiados por via de impostos, como sucede com o nosso sistema de saúde, ou por meio de um seguro de saúde obrigatório, público ou privado, com isenção de quem não pode pagá-lo, como sucede noutros modelos. Acontece que entre nós é o primeiro sistema que está consagrado desde a origem. Seria bom que MFL esclarecesse se pretende mudar o sistema, e em que sentido. Mas a mudança de opinião mostra que ela não tem ideias sobre o assunto.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Deixar correr não é solução

É hoje evidente que a tripla crise vinda do exterior -- financeira, energética e alimentar -- não está em vias de terminar e que, mesmo que se não agrave, vai ter efeitos consideráveis em termos de redução do crescimento, de elevação dos preços (pelo impacto geral da alta do petróleo), de aumento da taxa de juros, de diminuição de exportações, de perda de emprego, de redução de poder de compra, etc.
Há que assumir a realidade e a mudança de perspectivas, sem ficar à espera de um milagre ou da salvação de Bruxelas (que não é de esperar, como mostrou o magro resultado da cimeira da semana passada). Impõe-se, entre outras coisas, informar devidamente o País da evolução da crise e dos seus efeitos, reanalisar (e eventualmente rever) as metas económicas e orçamentais para o corrente ano, reassumir e reforçar os planos de eficiência energética e de poupança de combustível, adoptar as medidas possíveis para amortecer os efeitos da crise sobre os sectores mais vulneráveis da população.
Não seria descabida uma comunicação formal do Primeiro-Ministro ao País, nem a convocação de uma conferência do PS (ou das "Novas Fronteiras") para debater a situação, clarificar perspectivas e propor soluções, nem a exploração dos debates parlamentares para o efeito. É importante reafirmar a confiança na capacidade do País para sair das inesperadas dificuldades.
Com a crise instalada, o teste de Sócrates para as eleições de 2009 não está somente no saneamento das finanças públicas, nas reformas efectuadas e nas medidas sociais, mas também e sobretudo na sua capacidade de conduzir o País com segurança no meio da tempestade.

Benesses

A que propósito é que a indústria de cruzeiros marítimos beneficia de combustível sem impostos, em pé de igualdade com a pesca? Por ser de interesse turístico? Mas quantas actividades não são de interesse turístico?!
É extraordinária a capacidade de certos grupos de interesse de sacarem benefícios fiscais, subsídios e outras benesses do Estado!
Quando é que o Governo decide promover uma drástica racionalização dos benefícios fiscais, aliás em linha com o relatório oficial apresentado há poucos anos sobre o assunto? Como pode pensar-se em reduzir a carga fiscal em benefício de todos, sem uma prévia eliminação das injustificáveis reduções fiscais de que tantos grupos gozam?

Tragédia africana

A retirada do candidato da oposição democrática à segunda volta da eleição presidencial no Zimbabué, em consequência do terrorismo eleitoral de Mugabe, significa o fim de qualquer esperança de retorno da democracia naquele País por via eleitoral.
Com a miséria económica e social a juntar-se a uma ditadura repressiva, o Zimbabué encaminha-se para mais uma tragédia africana.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Trinta anos

Passam agora três décadas sobre a criação do Centro de Estudos Sociais (CES) da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, apropriadamente comemorados com um colóquio internacional sobre os "novos mapas para as ciências sociais e humanas".
Nestes trinta anos, o CES tornou-se num dos principais centros nacionais de investigação nas ciências sociais e humanas (mas também de observação e intervenção na preparação e execução de políticas públicas, por exemplo na área da justiça) e simultaneamente um dos mais internacionais.
Estão de parabéns e merecem felicitações todos os que -- a começar pelo seu fundador e actual director, Boaventura de Sousa Santos -- construíram o grande laboratório de investigação e a prestigiada instituição académica que o CES é.

O referendo informado

De acordo com as teorias da "democracia deliberativa" -- ou seja, em que o voto ou a decisão política são precedidos de debates estruturados dentro da sociedade, a nível de grupos e assembleias de cidadãos --, Bruce Ackerman e James Fishkin defendem que os referendos deveriam também ser precedidos de um "deliberation day" -- ou seja, um dia de debate formal organizado a nível de toda a sociedade --, como meio para melhorar o conhecimento dos cidadãos acerca das questões a ser decididas e a obter uma decisão popular mais bem informada. Como dizem os autores, o «método populista [do referendo] é indigno de uma democracia moderna».
No caso do referendo irlandês sobre o Tratado de Lisboa, em que o desconhecimento do Tratado pesou consideravelmente a favor da rejeição, resta saber se a adopção do "método deliberativo" poderia ter alterado o resultado verificado.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Privilégios

A ADSE, o subsistema de saúde privativo da função pública, custa ao Estado cerca de 125,6 milhões de euros, mesmo depois do aumento da contribuição dos beneficiários. Ninguém até agora conseguiu explicar por que é que os contribuintes, que suportam o SNS para toda a gente, hão-de depois suportar um subsistema paralelo para benefício os funcionários públicos...

"Bloco central"

Vindo das bandas do PSD, a ideia de um governo de "bloco central" só pode querer dizer duas coisas: (i) que o PSD não alimenta muitas esperanças de vir a vencer as próximas eleições legislativas, mas que está tão sequioso do poder que admite qualquer oferta que apareça; (ii) que deseja ajudar o PCP e o BE na sua agitação com o papão do "bloco central", a fim de enfraquecer o PS à sua esquerda (de facto, o reforço daqueles pode ser o melhor aliado do PSD...).
O PS deveria cortar cerce qualquer veleidade a esse respeito, frisando que nas próximas eleições os portugueses vão ter de escolher entre a manutenção de um governo PS ou a mudança para um governo PSD (ou PSD/CDS), não havendo nenhuma razão, nem lógica, para qualquer parceria governamental entre ambos nas actuais condições (que nada têm a ver com 1983-85).
Aditamento
Quanto a "acordos de regime", aquele em que ambos os partidos se deveriam empenhar era justamente em melhorar as condições constitucionais e políticas para a estabilidade governamental, mesmo fora de maioria absoluta.